segunda-feira, 26 de maio de 2008

Grelhas ou as tendências totalitárias

Anda por aí uma grelha para avaliação dos professores, atribuída ao INA (já a vi em muitos sítios mas não consegui confirmar a origem), com 96 itens. Li os primeiros e fiquei com a impressão que estas pessoas não gostam de professores, isto é não querem mestres que provoquem o desejo de saber e fazer e o trabalho árduo de despertar consciências com rigor e conhecimentos.
Querem controle sobre funcionários colaboracionistas:
Cito algumas das primeiras:

CONDUTAS
[...]
2. Disponibiliza-se para actividades que ultrapassam obrigações horárias/profissionais.
[...]
4. Quando trabalha em equipa é um elemento participativo e não conflituoso.
[...]
6. Proporciona ambiente calmo, propício à aprendizagem.
7. Numa reunião tem uma atitude de colaboração e de entreajuda.
[...]
9. Não gera mau ambiente no local de trabalho.

Pois, por mim, e tendo em conta as lutas que se fizeram ao longo destes últimos séculos pelo horário de trabalho, não admito que me avaliem pelo que não me pode, por direito, ser exigido. O que significa: Disponibiliza-se para actividades que ultrapassam obrigações horárias/profissionais? Estar a toda a hora pronto para ser interrompido em qualquer situação, à vontade do dono?
Não é permitido o conflito? Porquê? Não podemos ter opiniões diferentes? Nega-se a dialéctica? O que é que é "mau ambiente"? É obedecer a qualquer ditador local? Tenho que colaborar com qualquer um, de qualquer maneira?
Tenho que leccionar apenas de acordo com o pensamento único, unidimensional?
E querem calma ou pasmaceira?

Passo para perto do fim, já sem comentários:
67. Orienta e planeia acções com uma visão partilhada que potencia a missão e os valores da organização.
[...]
78. Cria ferramentas de controle da sua actividade ou de outros dentro da organização que sejam simples mas resolvam os problemas de acompanhamento.
[...]

E por fim um apelo à revolução, sem esquecer a chefia nem as ferramentas, com colaboração e calma, inovação sempre, mas sempre em obediência à missão definida, não deixando de parte qualquer "pobre de espírito" que não queira ser revolucionado e inovado (cujo destino será certamente a reeducação, dentro do espírito da "Revolução Cultural" ... portuguesa):

87. Executa um projecto de liderança inovador e consegue implementar ideias revolucionárias e estratégicas, envolve as pessoas nesses projectos não deixando de fora ninguém.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

A desindustrialização e o que há-de vir.


Vila Real de S. António. Antigas fábricas de conserva.
Como se diz na nova/velha linguagem dos herdeiros dos "patos-bravos": terrenos "expectantes".

A construção civil avança e avassala

"Nova cidade" ao pé de Ayamonte

Depois de terem inundado de prédios Benidorm, Torremolinos ... os sapais da Isla Canela, enfim todo o litoral, algumas empresas em Espanha constroem milhares de prédios junto ao Guadiana. O projecto é para 35000 camas!
Ainda por cima, com vista para o parque natural ... em Portugal.
Ainda há quem tenha inveja deste modelo de desenvolvimento, dos morangos de Huelva e das estufas de Almeria a abarrotar de pesticidas e nitratos sem destino, com mão-de-obra quase escrava, de marroquinos a portugueses.
Nem a crise na construção, em que há cerca de 6 milhões de prédios para vender os leva a deixar de construir em tudo o que é sítio.
A água vem do Chança, junto ao Pomarão, concelho de Mértola, uma das zonas mais secas de Portugal.

O Corpo de Deus e os chocos a 4 euros o quilo.

O que é que tem o Corpo de Deus a ver com os chocos?
Nada, claro.
Mas quem é que sabe ainda o significado deste dia santo (dia santo e não feriado como muitos dizem)?
Antigamente o Corpo de Deus era o dia da procissão mais importante do país. Nele se mostrava a sociedade com todas as precedências e eminências, porque não era fácil decidir quem ia à frente ou ao pé do pálio, se os vereadores eram mais importantes que certas pessoas da nobreza, qual o lugar dos cónegos da Sé, das diferentes ordens religiosas, das confrarias das diferentes corporações, das diferentes irmandades...
Hoje, salvo erro, é apenas dia de folga em Portugal e no Brasil.

A mim, souberam-me bem uns chocos no Algarve, com sabor a mar e a bom preço. Dia santificado!

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Património Mundial

Sé de Évora

Orgulhamo-nos de Évora ser Património Mundial.
Merece? Claro.
Vai deixar de ser? Ainda não.

Mas.
O chamado Centro Histórico já teve mais de 30000 habitantes, com uma população jovem. É certo que viviam gerações amontoadas em certas habitações, sem condições exigidas nos dias de hoje.
Actualmente tem pouco mais de 5000 habitantes e a população está envelhecida.

Alto lá!
Estou a ouvir jovens, já com alguns copitos a mais, por causa da queima das fitas. Isto vai durar até às tantas. No primeiro de Dezembro também. Com os caloiros, meses de festa também. Com outros pretextos também.

Apetece fugir porque não é apenas uma noite ou duas.

Casas desabitadas muitas. Especulação também.
Escolas? Quase nada.
Câmara Municipal. Está a fugir para a zona industrial. Um bom exemplo!
Transportes? Privados essencialmente. Bicicletas como nos países onde chove e cai neve? Raras.
Comércio? Também foge. Para a zona industrial e para outras partes.
O que é que não se vai embora? Umas viúvas, alguns resistentes ...

O que é que interessa?

Recebi uma mensagem, certamente para rir, de que reproduzo o seguinte extracto:

Valáver, o q é q intereça a um bacano se o quelima de trásosmontes é munto montanhoso? ou se a ecuação é exdruxula ou alcalina? ou cuantas estrofes tem um cuadrado? ou se um angulo é paleolitico ou espongiforme? Hã?

É de um pretenso aluno. Mas a questão é pertinente.
O que é que interessa estudar História, por exemplo?
A questão não pode ser vista somente a partir do tal aluno fictício de quem nos rimos da ignorância. Há responsáveis pela educação, visto que sozinho ninguém se educa, pelo menos nos primeiros anos.
Refiro apenas dois responsáveis. O Ministério da Educação e as escolas.

Os alunos do terceiro ciclo têm um programa de História que foi feito para 3 aulas semanais de 50 minutos. O Ministério decidiu reduzir o número de aulas e as escolas têm o poder de gerir algumas horas do curriculum. Assim há escolas que têm 3 tempos de 45 minutos, em cada ano, 7º, 8º e 9º, outras têm 1 tempo de 90 minutos no 7º ano, 1 de 90 mintos mais um de 45 no 8º e um de 90 minutos no 9º ano. Algumas perderam 100 horas de aulas de História no terceiro ciclo, sem contar o que perderam no segundo ciclo e no primeiro. E a questão do ritmo não é dispicienda. Uma coisa é ter 3 aulas por semana, outra é ter apenas uma, outra é, no caso de um feriado, ter um encontro ao fim de quinze dias. É quase recomeçar do zero!

Em Évora o problema é ainda mais agravado por ser cidade Património Mundial. Querem que os alunos saibam que há um templo romano, que existe arquitectura manuelina, que o maior conjunto de painéis flamengos regressou a Évora ...?

Querem o quê? Que eles falem da Grécia? Que saibam o que foram os Descobrimentos? A inquisição? Que não confundam D. Afonso Henriques com a República? Que tenham alguma noção do 25 de Abril?

Em algumas escolas, em alguns anos, tiveram tantas aulas de História como de Religião e Moral Católica ou Área de Projecto. Se não sabem citar um livro, o que poderiam ter aprendido em Área de Projecto ou Estudo Acompanhado, como é que se pode exigir que compreendam minimamente de onde vimos?

A ignorância tem responsáveis. Em cima e em baixo também!

O pipol tem é q aprender cenas q intressam como na minha escola q á um curço de otelaria e a malta aprendemos a faser lã pereias e ovos mois e piças de xicolate q são assim tipo as pecialidades da rejião e ópois pudemos ganhar um gravetame do camandro. Ah poizé. tarei a inzajerar?

Não está a exagerar, não. É o destino dos excluídos, dos desfavorecidos como se dizia em 1974. É o caminho apontado para o subdesenvolvimento. Outros virão mandar nos hotéis e comer os ovos moles; estes ficarão a varrer o chão e a assentar tijolos ou a fazer asneiras.

Ortografia. A posição de Carolina Michaëlis de Vasconcelos

[…] Esse estado anormal foi tomando proporções de verdadeira calamidade nos últimos decénios do século passado […]
II- SERIA CONVENIENTE QUE A ORTOGRAFIA FOSSE OFICIALMENTE REGULARIZADA E SIMPLIFICADA?
Conveniente e urjente, tanto sobre o aspecto científico, como sob o estético, e sobretudo pedagójico.
Num país, atrasadíssimo quanto á instrução e educação, em que quatro milhões estão á espera dos benefícios da luz espiritual, o que importa é facilitar o ensino da leitura e escrita; acabar com todas as complicações desnecessárias; eliminar todos os artifícios eruditos […]
Importa que Portugal e o Brasil realizem simultaneamente e de modo idêntico a reforma planeada, escrevendo de aqui em diante da mesma maneira, racionalmente simplificada, todos os vocábulos da sua língua comum, apesar do timbre diverso com que cá e lá se pronunciam as vogais tónicas e átonas.


in Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Lições de Filologia Portuguesa, 1911

Em 1911 foi efectuada a primeira reforma ortográfica. Este texto foi escrito um pouco antes. Como se lê, a distinta filóloga, entre outras coisas, pretende acabar com os ph, y, consoantes duplas etc. e usa o j em vez do g. Usa também o acento agudo nas contracções.
No mesmo texto refere que muitos das confusões ortográficas se devem, não aos autores, mas aos revisores ou impressores. Cada um gostava de fazer inovações e, frequentemente, confundiam a etimologia das palavras. No mesmo texto, por exemplo em Camões, era possível diferentes formas ortográficas da mesma palavra.
Aponta também os casos do italiano, em que se fez uma reforma radical, essencialmente fonética, eliminando hh inúteis ou o francês que, embora extremamente complicado, manteve-se quase inalterado nos últimos séculos ou ainda o galego "ressurgido", onde a liberdade ortográfica pode levar à incompreensão das origens.

Alguns pressupostos, sobre a educação e o analfabetismo devem ainda ser levados em conta, não só em Portugal, onde o problema ainda existe, como em relação ao Brasil ou outros países africanos. Afinal vale a pena os povos preocuparem-se com o c em acto, quando os puristas já esqueceram o c de contracto ou quando algumas palavras se voltam a escrever como no século XV, tendo sido pronunciadas sempre da mesma forma?

Também não se esqueceu do Brasil e da importância da comunicação.

Nota: Meses depois, com a aprovação das normas ortográficas, a autora, apesar de algumas divergências, adoptou a norma oficial, para a qual também contribuiu.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

O tabaco

Já se sabia que esta lei tem fundamentos moralistas que não podem ser escritos na própria lei, porque Lei e Moral são coisas diferentes no actual Estado de Direito.
Mas o rei vai nu, como soía dizer-se.
Há quem brinque com o fogo e depois queima-se.
"Não havia necessidade"! Para quê estragar uma fotografia com um cigarro? De bom grado o Chavez até lhe ofereceria um charuto, um habano ou havano puro, e até o deixaria fumar na televisão, sem problemas de ilegalidade, enquanto aí mesmo assinava os contratos, com uma palmadinha hilariante nas costas, perante o mundo.
O problema do cigarrito em si, não é grande coisa. Viajar de avião horas e horas é uma chatice. Pior ainda para aqueles que vão como em contentores, sem espaço para nada, nem para mexer um pouco. O problema é querer impor-se uma moral totalitária e, depois do moralismo, usufruir-se de excepções como privilégios.
Tanto me faz que o primeiro-ministro fume ou não fume, que seja casado ou solteiro ou amantizado ou tantas outras coisas. Preferiria e exijo também que me mostre onde está o socialismo, que medidas sociais pode e deve tomar em nome das ideias socialistas, nos campos económico, social, cultural e ... ético; o que fez ou vai fazer para mudar a desigualdade social, a maior da União Europeia.

E já agora, o que trouxe da Venezuela? E já agora, também gostaria de saber pelos jornais portugueses se veio alguma coisa positiva da Venezuela. Ou será que estes também optam pelo sensacionlismo?

Sexta-feira discute-se o acordo ortográfico na Assembleia da República

No tempo em que a minha mãi andava a aprender as primeiras letras já se escrevia freqüentemente lingüiça assim. E no tempo do pae do meu pai e antes d'elle, ninguém sabia quasi nada sôbre ortographia e as pessoas mais esclarecidas naquella epocha iam à pharmacia do Archiminio saber novidades e comprar hervas aromáticas como hontem. Nesse tempo ninguém duvidava que cagados eram bichos. Êste pretenso ensaio quasi intuïtivo nada tem a ver com philosofia nem é fructo de nenhum nihilismo, nem se trata de escrever palavras estranjeiras nem ofender qualquer Majestade. Já vivi n'aquelas terras que dantes se chamavam Arrayolos e Souzel e não foi por mudarem as lettras que as pessoas ficaram mais ou menos dotadas de intrucção ou idéias. Nem aquellas Nymphas do Ceo desfalleceram com estas cousas, atravez dos tempos imemoriaes. Incansàvelmente continua-se a misturar a descripção da língua com a norma. O que aqui escrevi não foi nada contra o c mudo nem pretendi contar uma anedocta ou falar de saüdades.

Não escrevi à moda brasileira e, salvo erro, não cometi erros. Apenas misturei palavras como se usaram (escritas) em diferentes décadas do século XX.
Por isso é de espantar quando se apela à tradição e ao genuíno português de Portugal. A tradição começa onde? Olhem que em 1973 também houve mudanças com os acentos agudos. Será a partir daí que a escrita portuguesa se fixou "ad aeternum" ?

terça-feira, 13 de maio de 2008

Notas em escudos



Notas em escudos do antigo Estado da Índia. As últimas, suponho, pois são de 1959. Note-se que por baixo da palavra escudos (clicando a imagem é aumentada) há outras escritas em caracteres indianos.

A Ordem dos Médicos e os doentes faltosos.

Li no Público que o Conselho Nacional de Ética e Deontologia da Ordem dos Médicos propõe que os médicos cobrem 20% da consulta aos doentes faltosos.

Parece-me que a Ordem deveria preocupar-se mais com a Ética dos médicos do que com a dos doentes. E talvez se devesse preocupar também com os preços máximos das consultas e a promiscuidade entre o serviço público e o privado.

Mas, se se preocupa com as faltas e atrasos, não deveria começar antes com as faltas e atrasos de muitos médicos?

Atrasos significam perda de rendimentos, dificuldades no acesso a transportes que têm horários, falta de produtividade, atrasos em cadeia noutras actividades.
Não seria hora de os médicos faltosos, os médicos que deixam os doentes horas e horas à espera, serem obrigados a justificar formalmente e a indemnizar os utentes tal como noutros serviços?

Até porque se pressupõe que só vai ao médico quem tem algum problema, alguma doença. Pelo contrário o médico, em princípio, quando dá consultas não está doente. Por isso, é mais provável ou justificável um atraso ou falta de um doente do que de uma pessoa em bom estado de saúde.
Haverá certamente outros meios para não prejudicar os médicos.

E, certamente, há outras prioridades na Ética e Deontologia

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Les libertés ne se donnent pas. Maio de 1968


Discute-se, alguns discutem o Maio de 1968.
Foi importante? O que influenciou mais a sociedade? O Maio de 1968 ou os movimentos das universidades norte-americanas e a contestação à guerra do Vietname?
Que importância teve o Maio de 68 nas gerações que alcançaram o poder no 25 de Abril? Que paralelismo e influências recíprocas tiveram estes movimentos e o 25 de Abril nos anos 70?
Quem imaginava haver manifestações destas e reivindicações antes, tantas e tão diferentes, com o Maio de 68 e o "espanto" do 25 de Abril nesta Europa?

Debates em Évora. O Centro Histórico.

Já se começa a debater. Primeiro foi a CDU, agora o Pró-Évora.
E a Parque Expo começa a aparecer em público. Ainda bem. Como seria possível fazer tanta mudança no urbanismo de Évora sem debates?
Como se pode entregar a gestão do urbanismo do Centro Histórico a uma empresa, sem debates? É que a uma Câmara eleita, os cidadãos ainda podem reclamar e, eventualmente, esta pode inverter ou alterar o processo. Uma empresa, depois de assinado o contrato, pode exigir indemnizações se o órgão eleito decidir alterar, mesmo que sejam pormenores. E, não se trata da empresa em si, que, à partida, não tenho dúvidas sobre a sua competência.
Trata-se sobretudo de participação na cidade construída e usufruída por gerações de povos e actuais cidadãos.

Um Centro Histórico não é apenas um rótulo. Quando se mexe numa rua do Centro Histórico mexe-se em todo o Centro Histórico e em toda a cidade, que é não apenas uma cidade histórica mas o centro de uma região, onde vivem pessoas em interacção com a cidade, no presente e prospectivando um futuro em que a cidade vai ser outro lugar central (mais próximo de Lisboa e Badajoz), como nó viário e ferroviário e, portanto, mais atractiva para os serviços e alguma indústria.

Trata-se de desenvolvimento e de identidade de uma cidade viva.
Viva, se todos quisermos!

Basta recordar alguns efeitos perversos possíveis ou em curso: a descaracterização física, com demolições e construções estandardizadas e sem identidade; a preservação para a fotografia e a ruína que se segue por falta de vivência; a manutenção a todo o custo de clichés sem fundamento na História e na Cultura; reabilitação com materiais não compatíveis; alteração sem planos, ao sabor das circunstâncias e de curtos prazos, dos centros da cidade, com misturas de funções entre zonas industriais e de serviços, com dispersões ineficazes e comprometedoras do futuro; abandono progressivo das gentes, com substituição das populações por imigrantes temporários e estudantes de passagem; habitações abandonadas sem que alguém se responsabilize por isso; mudanças de uso mantendo apenas fachadas; sobredimensionamento do parque automóvel; alterações dos espaços pela possível construção ou reestruturação de arruamentos; perda de identidade pela vivência exclusiva nas periferias (?) do antigo centro ...

Recebi do Pró-Évora as datas dos seguintes debates:

-15 de Maio - Apresentação do Estudo pela Parque Expo ...
- 20 de Maio- Reabilitação, construção/demolição. Habitação e Turismo.
- 28 de Maio - Mobilidade e Acessibilidade


É preciso discutir. Sem processos de intenções, que ainda há muita gente de diferentes quadrantes e vivências que pode dar uma contribuição.

Debates em Évora. Maio de 68

Do Clube dos Amigos de Chartres recebi a seguinte mensagem:

Profitant des 40 ans de MAI 68, le Club des Amis de Chartres vous propose un nouveau « Café littéraire ».Celui-ci est prévu , le mardi 27 mai, à 20h30, au Café- épicerie fine : « d’Evora », rua de Machede,19.

Le sujet choisi pour cette rencontre sera donc : « Que reste-t-il de MAI 68 ? »
Le débat se déroulera aussi bien en portugais qu’en français, pour une plus large participation.

domingo, 11 de maio de 2008

Lobos no Alentejo. E as dificuldades em tratar da "multidão de feras".

Em 1821 queixavam-se os lavradores de Arraiolos e de concelhos vizinhos que os lobos atacavam os gados. Pedem que venha a cavalaria tratar do assunto, porque as tropas locais, as ordenanças não conseguiam controlar as feras. De passagem diga-se que as ordenanças eram constituídas por todos os homens capazes de serviço militar, em geral dos 16 aos 60 anos, uma tropa de terceira linha, que poderia actuar em tempo de guerra, o que foi frequente nos séculos XVII e XVIII, e que permitia levantar exércitos de dezenas de milhares de homens.

Dizem os Lavradores dos Termos d’Arrayolos, do Vimieiro, de Pavia, de Mora, das Aguias, e de duas Freguezias de Monte Mór o novo, que vem a ser a Repreza, e São Giraldo, reprezentão a V.S.as que elles soffrem grandes dannos com os assaltos que assiduamente dão os Lobos, e mais féras, aos seus gados, de maneira que a maior parte delles se achão preza das referidas feras: os Sup.tes vendo-se em tal apuro Lembrarão d’obstar neste tão grande mal com os recursos do costume, que são as Montarias; estas pella sua má ordem, sempre sahem infructiferas, assim porque as Ordenanças são indisciplinadas, como porque os que as mandão são pouco peritos; e neste cazo os suplicantes solicitão tropa de Cavallaria, para que esta unida então aos paizanos, mandados todos debaixo das Ordens de V. S as como experimentada em similhantes expedições possam os Supp.es verem seus gados livres das garras de tanta multidão de feras, que por todas as partes acomettem [... ] [1] .
[1] CMA/H/001/Cd 002

Nota: Vimieiro, Pavia, Mora e Águias eram ainda concelhos. Mora foi extinto em 1836 mas depois reerguido. O concelho de Águias tinha como principal povoação Brotas, terra de peregrinações, com muitas confrarias espalhadas pelo país e até no Brasil e Índia. A Represa é hoje uma herdade, propriedade privada.

Niebla. Muralhas em taipa.

Niebla, Andaluzia.

Niebla foi uma cidade do antigo Algarve, antes do Algarve ser português.
As muralhas islâmicas são em taipa militar, o que significa que são de terra (agrícola, frequentemente com palhas, sementes etc.) misturada com alguma cal. Um material altamente resistente, apesar de à primeira vista parecer fraco. Em Portugal temos também muralhas destas em Silves, Loulé, Paderne, Alcácer do Sal.
Os almorávidas usaram esta técnica em Marrocos e trouxeram-na ou, pelo menos, difundiram-na na Península. Quando a Península se chamava Hespanha no dizer dos cristãos, Al-Andaluz entre os muçulmanos ou Sefarad como diziam os judeus.
O mundo era o mesmo. Do Magrebe, no Norte de África, para a Península circulavam pessoas e ideias. Havia dois Algarves (Ocidente), o De Àquem e o de Além Mar como diziam os portugueses.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Antes da ecopista. A linha férrea de Évora a Mora e... Ponte de Sor ... e a educação dos povos.

Há uns anos fiz um trabalho sobre Arraiolos. Aqui segue um extracto sobre a construção do que hoje se chama ecopista. Previa-se uma linha férrea que ligasse o Alentejo ao Norte Interior e a Espanha. Só assim tinha sentido.

"No início do século XX continuava ainda a construção da rede de caminhos de ferro considerada essencial para o desenvolvimento nacional. No caso de Arraiolos depositava-se uma grande esperança na construção do ramal entre Évora e Ponte de Sor, o que facilitaria as comunicações com Lisboa, através de Évora, mas também com o Norte e o Sul do País e Espanha, numa região considerada como tendo grandes potencialidades a explorar.

A Camara vendo as grandes vantagens que trazia a construção desta linha para o comercio, agricultura e industria, deliberou por unanimidade enviar a Sua Majestade a mensagem seguinte: Senhor! Tendo sido decretada a rede ferro-viaria ao Sul do Tejo, n’ella foi indicada a linha d’Evora á Ponte de Sor, por Arrayolos, Mora e Montargil. No inquerito ferroviario ordenado pelo decreto de 6 d’Outubro de 1898 esta linha era indicada como sendo a mais conveniente da rede do Sul com a linha do Norte, Leste, Beira Baixa e ramal de Caceres, tendo por ponto de partida a Capital do Alentejo. E pelo inquerito foram fornecidos aos distinctos engenheiros que constituiram a Comissão encarregada de estudar o plano da referida rede ferro-viaria elementos de que resultou a opinião de perferirem a ligação Evora-Ponte do Sor para acabar com o isolamento em que se tem encaminhado a tão vasta e importante região constituida pelo Baixo Alentejo e Algarve . Um rapido olhar lançado pela carta do paiz, fara facilmente conhecer a grande vantagem d’esta ligação, que vae pôr communicação ininterrupta as importantes provincias do Alentejo e do Algarve com o Norte do Reino, fechando assim a linha mais directa entre Faro e Melgaço, pelo entroncamento e brevemente, é de esperar, entre Faro e Bragança, por Abrantes. A ligação dos dois estremos do paiz é, para o commercio, agricultura e a industria de vantagens tão conhecidas, que impertinencia seria enumeral-as, e ao interesse geral acresce a conveniencia local. Senhor! A região comprehendida entre Evora e a Ponte do Sor é uma das mais ferteis e viçosas aquem do Tejo; n’ella [...]

Em 1904 previa-se a construção de um segundo lanço, a partir da Graça do Divor, para o qual o governo solicita a colaboração da Câmara com dinheiro, cedência gratuita de terrenos ou, pelo menos, expropriações a baixo preço. A Câmara dinheiro não tem, mas compromete-se a fazer tudo o que estiver ao seu alcance.

Foi presente pelo Excellentissimo Prezidente um officio do Ministerio das obras Publicas nº 12694 do corrente mez, no qual se declara que estão adjudicadas as terraplanagens e obras de arte do 1º lanço da linha ferrea de Ponte do Sôr entre Evora e a Senhora da Graça e empenha-se o Governo por que muito brevemente comece a construção do 2º lanço da Senhora da Graça à estação de Arrayolos e o 3º que vae até às proximidades de Pavia; e que necessario se torna que as localidades interessadas na construcção d’essa linha, prestem ao Estado a possivel coadjuvação para que os recursos de que esta dispõe tenham a maxima utilização, e caso a Camara queira contribuir com quanto em si caiba para a referida construcção da linha d’Evora à Ponte do Sor, O Excellentissimo Ministro pergunta:
1º se a Camara pode tomar sobre si no todo ou em parte as expropriações na area do concelho;
2º no caso de não assumir esse encargo, se contribue com algum subsidio e ao mesmo tempo se encarrega de obter dos proprietarios cedencia gratuita dos terrenos necessarios ou ao menos de aquelles que não queiram ou não possam fazer essa cedencia, moderação nas suas exigencias. A Camara discutindo sobre o assumpto deliberou que se dissesse ao Excellentissimo Ministro que, estando este municipio muito onerado com varias despesas inadiaveis que absorvem todos os seus rendimentos, não pode, e com grande magua, concorrer pecuniariamnete para a construcção da referida linha, mas tomará sobre si o encargo de auxiliar o pessoal encarregado das expropriações, a fim de obter dos proprietarios benificiados pela mencionada linha ferrea a cedencia gratuita dos terrenos ou pelo menos que esses proprietarios sejam moderados na avaliação e as expropriações se façam amigavelmente e em boas condições
.

A crise agrícola que se atravessava é também uma forma de apressar os trabalhos, empregando trabalhadores rurais na construção da via:

Declarou o Excellentissimo Prezidente que estando a organisar a representação de que foi encarregado pela Camara na sessão de onze do mês d’agosto findo, para se pedir ao Governo de Sua Magestade um subsidio para atenuar a crise agricula, não a concluio, em consequencia de ver no Diario do Governo nº 186 de 23 do dito mês, uma Portaria que manda proceder sem demora aos trabalhos do segundo lanço da linha ferrea d’Evora à Ponte do Sor, desde a Graça até Arrayolos, para obviar a crise de trabalhos na região atravessada pela dita linha.[3]

Em 1907 o caminho de ferro chega a Arraiolos e a Câmara pede a todos que se associem à festa de inauguração em 21 de Abril:

“[...] deliberou promover festejos naquelle dia e assistir à ditta inauguração e encarregou o Exmo Sr. Prezidente de convidar os Exmos Administrador das Obras Publicas e Governador Civil deste distrito para também assistirem àquelle auto, bem como os cavalheiros desta localidade para acompanharem a Camara nestas festividades e os proprietarios para illuminarem as janellas na noite do referido dia e infeital-as na ocasião do festejo por meio de edital.”

Mas em 1911 a Câmara manifesta preocupação pela não conclusão da linha que só chega a Mora, e pela gare e armazém que estão em mau estado: “Considerando que é um dos principaes meios de educação dos povos a via ferrea, além das vantagens economicas [...]”

Apesar destas vantagens, o caminho de ferro necessita de trabalhadores, que reivindicam e fazem greves, o que leva a edilidade, já durante a República a um “ Protesto por acha-la antipatriotica; e põe-se incondicionalmente ao lado do mesmo Governo”. Ainda em 1913 continua a haver dificuldades na continuação desta obra e por isso decide “associar-se à Camara de Avis para uma representação sobre continuação da linha”, a qual nunca chegaria a Ponte de Sor nem Avis.

in Livro de Actas das Vereações de Arraiolos

quarta-feira, 7 de maio de 2008

O sexo e o pecado original

Lembrei-me de consultar uma Bíblia, editada em 1865, até para contento dos que não desejam qualquer alteração na "ortographia".

Genesis
CapituloII
[…]
23 Então disse Adão: Eis-aqui agora o osso de meus ossos, e a carne de minha carne. Esta se chamará Virago, porque de Varão foi tomada.
24 Por isso deixará o homem a seu pae, e a sua mãe, e se unirá a sua mulher: e serão dois n’uma carne.
[…]
5 Porque Deus sabe que em qualquer dia que vós comais d’esse fructo, se abrirão os vossos olhos; e vós sereis como uns deuses, conhecendo o bem e o mal
[…]
12 Respondeu Adão: A mulher que tu me deste por companheira, deu-me da arvore e eu comi.
13 E o Senhor Deus disse para a mulher: Porque fizeste tu isto? Respondeu ella: A serpente me enganou, e eu comi.
[…]
Capitulo IV
Ora Adão conheceu a sua mulher Eva: a qual concebeu e pariu Caim, dizendo: Eu possuí um homem por Deus.
2 Depois teve Abel, seu irmão. Abel porém foi pastor d’ovelhas, e Caim lavrador.



Aprendi na catequese que foi esta a origem do pecado original. O pecado original tem a ver com o sexo? Porquê? Onde se foi buscar essa ideia? Certamente não pode ser a partir daqui, como normalmente é apresentado, que se ordenou o ideal do celibato e a aversão ao sexo.
Alguma misoginia talvez. O medo do alcance da sabedoria talvez também.

Segundo o Génesis foi Deus que criou a mulher para companheira do homem. No Paraíso, não seria propriamente para a "conhecer" nem ele estava interessado em conhecer nada, no princípio. Segundo a criatura (Eva), ela “possuíu” um homem por vontade de Deus. É certo que Deus não gostou muito do primeiro filho, mas o segundo (Abel), o preferido, foi “fabricado” da mesma maneira.

Também não não tinha nada que andar por aí a dizer que tinha possuído um homem. Adão certamente não se esqueceria, apesar de se deixar enganar facilmente e ter sempre desculpas; e Deus sempre foi omnisciente. Quem mais haveria de estar interessado no assunto, já que não havia mais nenhum ser humano na terra e os outros bichinhos e "hervas" certamente não teriam qualquer interesse no acontecimento?

Nota ortográfica: Será que quem se horroriza com a provável queda das consoantes mudas (c, p) quererá que se volte a escrever fructo (ou fruito como dizia Camões)?

Açorda sem azeite.

A poesia é de Jaime Velez, o Jaime da "Manta Branca", de alcunha, como quase todos. Nasceu em Benavila em 1894 e foi muito novo para o Cano, onde morreu em 1955. Analfabeto, trabalhava no campo, numa zona de latifúndio.
Era repentista. Fazia as décimas de improviso. Bebia também uns copos.
Esta foi feita num dia em que havia uma festa num monte. O patrão, que tinha até convidado um ministro, resolveu alegrar a festa, apresentando Jaime da Manta Branca, como algo típico e divertido. Em troca de mais um copo recitou as décimas:

Não vejo senão canalha
De banquete para banquete
Quem produz e quem trabalha
Come açordas sem “azête”

Ainda o que mais me admira
E penso vezes a “miúdo”:
Dizem que o sol nasce para tudo
Mas eu digo que é mentira.
Se o pobrezinho conspira
O burguês com ele ralha,
Até diz que o põe à calha,
Nem à porta o pode ver.
A não trabalhar e só comer
NÃO VEJO SENÃO CANALHA

Quem passa a vida arrastado,
Por se ver alegre um dia
Logo diz a burguesia
Que é muito mal governado,
Que é um grande relaxado,
Que anda só no bote e “dête”.
Antes que o pobrezinho “respête”
Tratam-no sempre ao desdém.
E vê-se andar quem muito tem
DE BANQUETE PARA BANQUETE

É um viver tão diferente!
Só o rico tem valor
e o pobre trabalhador
vai morrendo lentamente.
A fraqueza o põe doente
e a miséria o atrapalha.
Leva no “peto” a medalha
Que ganhou à chuva e ao vento.
E morre à falta de alimento
QUEM PRODUZ E QUEM TRABALHA

Feliz de quem é patrão
e pobre de quem é criado,
que até dão por mal empregado
o poucochinho que dão.
Quem “semêa” e colhe o pão
não tem aonde de “dête”;
só tem quem o “assujête”
p’ra que toda a vida chore.
E em paga do seu suor
COME AÇORDAS SEM AZEITE


Fez-se um silêncio gelado que, no tempo, não se admitiam "insolências"!

Décimas publicadas por Fernando Cardoso, Poetas Populares, 1977, 3º vol.

Atenas. Teatro


Teatro grego, aproveitando a colina. Hoje, em vez dos campos e do Mediterrâneo como cenário o que se vê é o pandemónio urbanístico. Que não sirva de consolo para os pessimistas do costume, mas o que se segue é muito pior do que o pior subúrbio de Lisboa.
Não podemos culpar apenas os gregos. Durante séculos estiveram submetidos e não puderam engrandecer a cidade. No século XX estiveram sujeitos a ditaduras tão miseráveis e brutais como a nossa. Depois, um capitalismo sem regras.
Esquecidos tal como nós, apesar de muitos proclamarem estarem aí as origens da civilização europeia.
Bem se tentaram libertar na Segunda Guerra Mundial. E conseguiram sozinhos! Venceram italianos e alemães. Mas logo vieram ingleses e americanos demonstrar pelas armas que era território do Ocidente. E assim o Ocidente preferiu que a Grécia fosse governada tanto tempo por coronéis e por outros interesses.
Os "partisans" gregos, aniquilados pela Guerra Fria, mereciam que fossem recordados pelos ideais que não puderam alcançar por interferência de outros.
É importante não esquecer que Portugal, a Grécia e a Espanha estiveram submetidos a ditaduras até 1974 e 1975 (Espanha). Outras coisas poderiam ter sido feitas nestes países se se tivesse cumprido a vontade dos povos com a derrota do fascismo e do nazismo em 1945. Foram 30 anos perdidos e comprometidos.
Outros interesses, que não a democracia ou o desenvolvimento, ditaram a pouca sorte destes países.
Mas, apesar dos infortúnios, ainda se conserva o teatro na colina. E, mais acima a Acrópole.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Mudanças de atitude

Há dias, uma aluna de 12º ano que está a fazer um trabalho de Área de Projecto sobre as doenças sexualmente transmissíveis, referiu-me com um entusiasmo expressivo, uma nova descoberta:
-Professor, descobri um método contraceptivo de que nunca tinha ouvido falar! Os cones. E perguntei na farmácia mas parece que pouca gente usa. Se calhar só as velhas!
Felicitei-a pela descoberta mas disse-lhe que talvez as velhas já não precisassem disso.

De facto muita coisa mudou, sobretudo desde o 25 de Abril. Quem se atreveria antes a falar destes assuntos numa escola com um professor? E (ainda bem) que a esta aluna nem lhe passou pela cabeça que isso pudesse ter sido um tabu.

Sobreiros

Há pouco tempo eram bolotas.

Rua de Mértola


Não há dedo de arquitecto nem grandes preocupações urbanísticas, o kitch e os elementos espúrios coexistem. Nem por isso fica pior que alguns projectos de renome.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Évoramonte


A povoação e o castelo vêem-se de longe, dominavam os campos em redor. Daqui se avistam vários castelos e outros lugares, como Estremoz e Arraiolos, o que permitia uma comunicação rápida em direcção a Lisboa, mal um exército passasse por Badajoz. A fortaleza, que substituíu outras mais antigas pertencia aos duques de Bragança que obrigavam ao pagamento de portagem a quem passava na estrada real, de Lisboa para Castela. Os caminhantes, almocreves e outros queixavam-se da imensa subida e então criou-se outro lugar de portagem, em zona mais baixa, a Venda do Duque (de Bragança). A fortaleza é obra dos arquitectos Arruda, início do século XVI, já preparada para os ataques da artlharia. A antiga estrada real está hoje abusivamente privatizada ou cortada.
Aqui se assinou a Convenção ou Concessão de Évoramonte que permitiu o triunfo do liberalismo em Portugal. Ainda hoje há miguelistas que não perdoam a D. Pedro ter expulso o seu rebelde irmão.

E sobrevivem e lutam pela vida

Já não fazem espectáculo mas começam a construir a colmeia.

Abelhas em Évora


Neste sábado o inesperado aconteceu. A Travessa do Sol foi atravessada por um enxame de abelhas que a encheu, originando medos e fugas dos transeuntes. E fixaram-se por baixo de umas telhas. Chegou a vir a polícia, que afinal não tinha meios, e que chegou à conclusão, respeitando opinião alheia, que as abelhas não demorariam mais que um dia ou dois.
O que procurarão estes laboriosos insectos melífluos? Que me conste não há por aqui muito alecrim ou rosmaninho, embora existam alguns quintais cheios de ervas, nem as flores já são tão abundantes como eram.
O que se passará?
-Já as rainhas perderam o tino?
- O Apocalipse estará para breve?
- Terão as abelhas sabido que a Parque Expo tem em projecto aqui uma nova rua?

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Ainda sobre gerações recentes

Como todos sabemos, jovens de 18 anos não formam uma classe. Duvido até que haja uma cultura jovem, como tantas vezes é referida. Até porque a cultura (as formas de pensar e agir) não muda assim tanto, o que se altera depressa é a civilização (as técnicas).
Há por aí algumas ideias feitas que, no fundo, aproveitam mais à publicidade, do que à compreensão das coisas.

O país mudou muito rapidamente. Há umas dezenas de anos a maioria da população era rural, camponeses a Norte, trabalhadores sem terra a Sul, alguns núcleos de população urbana no litoral, com outras preocupações fortemente reprimidas. A moral dominante, não apenas a oficial, transformada em lei, era católica tradicionalista, sobretudo nos meios camponeses. Mesmo o “aggiornamento” do Concílio Vaticano II, chegou aqui mais nos aspectos formais do que em formas generalizadas de manifestar novas preocupações. Nas vésperas do 25 de Abril, ainda cerca de 40% da população era analfabeta. O ensino secundário era clara e assumidamente elitista. A classe média, quase inexistente, ia-se aguentado.

Nos anos sessenta inicia-se a desorganização desta sociedade. Apesar de se apregoar a Família (com um chefe), as famílias desintegraram-se com a emigração para “Franças e Araganças” e o êxodo rural tanto atingiu o Norte como o Sul, só que os do Alentejo iam para aos lados de Lisboa. A indústria cresceu e com ela o número de operários, a urbanização e os subúrbios. A guerra colonial trazia a dor constante e era o destino sabido dos rapazes deste país. Ou isso ou Rua, às escondidas, isto é, o exílio para Além-Pirinéus e o não se saber quando se voltava. A ditadura não admitia comportamentos divergentes nem linguagem ou pensamentos que não fossem obedientes à ideologia de "Deus, Pátria, Família" e, claro, Autoridade, mesmo que isso tivesse "passado de moda", desde os anos quarenta na Europa.

Começava-se a trabalhar muito mais cedo, também se casava mais cedo; no Alentejo era frequente "juntarem-se". Esses jovens obrigavam-se a tomar responsabilidades com menos idade.

O país passou rapidamente de rural para urbano (sobretudo sub-urbano), de uma economia pobre, pouco produtiva, anquilosada pela autarcia e pelo paternalismo (proteccionismo); do Terceiro Mundo e do “orgulhosamente sós”, para o Clube dos Ricos da Europa Ocidental.

Portugal entrou no Mundo Contemporâneo, depois de um isolamento enorme, sem ter passado por etapas que deram origem à modernidade. Desembocou na sociedade de consumo sem defesas e com largos desejos que as novas gerações não sofressem a pobreza que os pais e avós sofreram. Legitimamente os pais e os avós quiseram dar aos novos aquilo que não tiveram.

Mas ficou a desigualdade. E também essa faceta ancestral da cultura, em que o trabalho manual e até o intelectual são desprezados. Continuam, embora com menor frequência, até porque não é “politicamente correcto”, expressões como “o trabalho é para o preto” ou então o regozijo de vencer pela “esperteza” ou a desconfiança com que se olha para alguém que melhorou a vida através do seu trabalho (diz-se logo que “é da droga”). Veja-se também o desprezo com se fala dos “intelectuais”, ou os índices de audiência de alguns concursos televisivos (Preço Certo…), veja-se o “embasbacamento” com os centros comerciais… E, apesar da evolução, admira-se mais a posse de um diploma, do que os conhecimentos e o saber-fazer. No fundo, vestígios da sociedade de Antigo Regime, onde contava mais o título e a exibição de bens, quantas vezes em detrimento da competência e do trabalho.

Os jovens que temos são produto de tudo isto e da desigualdade que continuamos a ter. Não são todos iguais, embora por vezes pareçam. Há formas mais subtis de produzir e reproduzir a diferença social.
Hoje lê-se mais, mas os leitores são ainda uma elite, vê-se cinema de qualidade, também se ouve (e mais do que antigamente) boa música, há muito mais gente com formação, há mais gente inovadora (não por moda, mas porque se fazem coisas e mais fariam se tivessem oportunidades). Mas são, em geral, os que têm menos defesas que se deixam encantar pelo consumismo, pela moda, pelo efémero, pela ilusão do ter sem esforço.
Ora, a Escola Pública não pode pactuar com o facilitismo, não pode ser simplesmente reprodutora da ideologia e da miragem do comprar e deitar fora, para mais num mundo em que o investimento nas capacidades humanas é essencial para a criação de riqueza. Se a Escola não fornecer instrumentos e conhecimentos só acentuaremos a desigualdade e a dependência.