Por vezes é preciso ter memória. Quando se fala em
autarquias, em eleições, em poderes autárquicos é preciso recordar algumas
coisas, mas não reviver o passado.
Até 1974, durante o Estado Novo, os presidentes das câmaras
eram nomeados pelos governadores civis, por sua vez nomeados pelo Ministro do Interior
(o mesmo de quem dependia a PIDE/DGS, ou que dela dependia), nomeado pelo Presidente
do Conselho. Autonomia não existia, os presidentes das câmaras, quando muito
pedinchavam qualquer coisa, servilmente, ou defendiam os interesses de grupo,
também servilmente. Dinheiro não havia quase, que era quase tudo para as
guerras coloniais e para os grupos que se serviam do Estado para enriquecer num
estado controlado, onde não podia haver greves nem manifestações nem direitos
cívicos, políticos ou sociais.
Évora não podia crescer. Era a cidade intra-muros, com
alguns bairros admitidos e dezenas de bairros clandestinos, porque as pessoas
fugiam dos campos e tinham que viver em algum lado.
Fez-se um esforço coletivo imenso após o 25 de Abril.
Participou muita gente anónima, inúmeros grupos de voluntários, moradores,
outros que vieram de fora, fizeram-se experiências urbanísticas com a
participação da população, urbanistas e arquitetos que haveriam de ser
reconhecidos internacionalmente, como Siza Vieira e Nuno Portas, mas
desprezados por alguns “esclarecidos” suburbanos que ascenderam rapidamente.
Évora recomeçou a ser reconhecida nacional e
internacionalmente pelas escolas de teatro, pioneiras, por festivais de música,
tantas manifestações culturais. Milhares de famílias não tinham sequer água e
esgotos, no centro e nos bairros clandestinos e começaram a ascender às
condições mínimas- à dignidade!, o que é pouco para gente satisfeita com o seu
umbigo e que faz da ignorância um gesto contínuo de arrogância.
Évora chegou a Património Mundial, coroando esforços,
estudos, participação de muitos cidadãos que demonstraram que Évora poderia ser
uma cidade, cosmopolita, aberta, inovadora. Havia problemas, certamente, mas
participação de muitos e vontade de resolvê-los.
Infelizmente, porque noutras regiões do país há diferenças,
grande parte dos que mandam no Partido Socialista local foram-se organizando
contra tudo o que eles entendiam que era comunista, sem ver sequer que muito do
que se fazia era o que uma cidade digna desse nome, uma cidade de cidadãos, era
muito maior do que preconceitos que qualquer reacionário (aquele que não quer
mudar e que age contra) subscreveria. Alguns nem sabem que o Partido
Socialista, na sua fundação, se proclamava como herdeiro do marxismo, que
propunha também uma sociedade igualitária e que ainda mantém oficialmente como
hino a Internacional.
O PS local, que durante muitos anos esteve na oposição,
contestando apenas, conseguiu tornar-se poder. Como os que mandam no PS local não
tinham programa, como se habituaram a ter lugares de nomeação (CCDR, governo
civil, EDIA …) o seu programa foi destruir e mostrar quem manda. Não olharam a
meios publicitários e propagandísticos, utilizando o aparelho de estado a seu
favor, alianças espúrias, favores de empresas, favorecidas também. E ainda
pensam que são importantes, socialmente, imprescindíveis. Pensam que são uma
espécie de self made man à portuguesa, porque partiram da aldeia e conquistaram
o poder, esquecendo-se que o poder que lhes foi dado nessa instituições que
lhes permitiram subir, o foi através de uma rede caciquista que nada tem a ver
com mérito e muito menos com princípios democráticos.
Hoje saúda-se que tem coragem de querer estar à frente desta
autarquia, com vontade de mudar, através de eleições democráticas. Porque a
cidade de Évora está minada, falida, o centro histórico com problemas de
difícil resolução, esventrado e sem gente, porque os que têm mandado têm
desprezo, raiva e inveja pela vivência numa cidade, até porque o seu ideal
suburbano é o de uma cidade para a fotografia, onde os que podem circulam nos
seus automóveis rapidamente e descansam nas suas vivendas com piscina,
enfadados do bulício, das misturas sociais – da cidade.
É preciso devolver o cosmopolitismo a esta cidade, elevar a
participação das populações, reconstruir o que tem sido desfeito.