sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Sobre literatura e história no ensino



Senhora partem tam tristes
Meus olhos por vós, meu bem,
Que nunca tam tristes vistes
Outros por ninguém.

Tam tristes, tam saudosos,
Tam doentes da partida,
Tam cansados, tam chorosos,
Da morte mais desejosos
Cem mil vezes que da vida.
 
Partem tam tristes os tristes,
Tam fora de esperar bem,
Que nunca tam tristes vistes
Outros nenhuns por ninguém. 

Esta poesia de Joam Roiz de Castello Branco aparecia nas antologias de Português do antigo liceu, no correspondente hoje ao terceiro ciclo. Eu, tal como outros, sabíamo-la de cor, não por obrigação mas por gosto, tal como as “flores do verde pino”, de D. Dinis ou aquele começo do livro de Bernardim Ribeiro “menina e moça me levaram da casa da minha mãe para muito longe”, ou ainda aquelas expressões de Fernão Lopes como “novo mundo se levantou” e “desvairadas gentes”. Teríamos 13, 14 anos, outros mais, porque naquela altura reprovava muita gente, nas duas secções do liceu. No 5º ano, passávamos longas horas a dividir orações dos Lusíadas, uma tortura é certo, mas quem não se lembra ainda da primeira estrofe dos Lusíadas? É verdade também, que nesse regime, que não deixou saudades, os próprios Lusíadas eram alvo de censura, Eça de Queirós tolerado (mas não a Relíquia ou o Primo Basílio) e os autores contemporâneos estavam quase todos na lista negra.

Hoje optou-se por uma ideologia (porque não passa disso) mais pragmática, com a literatura em segundo plano ou a par da aprendizagem do preenchimento de requerimentos. Aumenta-se o número de horas a Português, sem objecto quase, como se não se aprendesse Português com a língua falada e escrita nas outras disciplinas, como História, por exemplo, em que é fundamental a análise a interpretação.
Mas este “pragmatismo”, esta pretensa preparação para a realidade só com o estudo do actual, só com o aumento do número de horas, a Português e Matemática sem o contexto de outras disciplinas (como se não se aprendesse também matemática, por exemplo, em Física e até nas Ciências Sociais), leva também à perda da cultura e da identidade, e não sei se se ganha mais com isso.

Pergunte-se a alguns alunos se sabem o que o país sofreu na primeira metade do século XIX, com as invasões francesas, guerras civis, Maria da Fonte incluída etc. ou as consequências da participação de Portugal na Grande Guerra e se Portugal recebeu ou não alguma indemnização por parte dos que agora lucram e são credores (refiro-me à Alemanha) ou quantas centenas de milhares de pessoas ficaram marcadas pelas guerras coloniais e emigração e provavelmente ele ficará admirado com as perguntas, como ficará admirado de que o Português seja uma das línguas modernas com uma literatura mais antiga na Europa.

Em tempos fiz as contas. Só a disciplina de História perdeu cerca de 100 horas no terceiro ciclo na maioria das escolas, com o mesmo programa, agora dado à pressa e com cada vez maiores simplificações. Como se preserva a memória e a identidade se não se dá a possibilidade, sobretudo aos que provêm de famílias que foram excluídas da escolarização, quando não se dão os instrumentos para enfrentar o mundo, isto é uma cultura que permita lidar com a globalização e a massificação determinada por outros?

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Ainda a avaliação de professores

À falta de melhor termo, confesso que o tema já me provoca tédio. Não é bem como aquele mau estar do Jacinto em Paris nem o tom das crónicas de Vasco Pulido Valente. Talvez seja aquela fartura do desgaste do ver baralhar de novo para ficarem algumas coisas na mesma e piores ainda.
Há uma cultura que teima em ressuscitar por trás de novas/velhas ideologias que se pretendem científicas. O que conta essencialmente é o tempo e cada vez mais o seguidismo. Não é para mim surpresa, mas tem-me impressionado o “masoquismo” em tantas escolas e com tantos professores a inventarem ainda mais grelhas e mais extensas do que as do próprio ministério. Alguns parecem aquele Tântalo da mitologia helénica que vivia cheio de sede num lago e que, cada vez que tentava beber a água, esta desaparecia para seu desespero continuado. Apesar da condenação, do destino, ainda tinha alguma esperança, mas nem o fado nem os deuses o deixavam libertar-se.
Fala-se tanto em mérito mas continua a esquecer-se o que as pessoas têm feito ao longo da profissão e não apenas no último ano. Uma ou duas aulas para relator ver podem ser mais importantes que um percurso, que um curriculum. Tanto faz que se tenha feito uma licenciatura em cinco anos e mais dois de profissionalização ou que se tenha estudado cinco com tudo incluído, ou ainda um curso médio promovido administrativamente a bacharelato, mais uns trabalhos para ficar com licenciatura. Tanto faz que se continue a estudar e a fazer investigação, novas experiências, como não. Tanto faz fazer cursos de pós-graduação, mestrados e doutoramentos (antes ou depois de Bolonha), aqui ou ali, como não. Tanto faz a pessoa inserir-se em projetos, que envolvem sempre riscos, como apenas fazer o mínimo sem dar nas vistas. O que vai contando é o tempo de serviço, a sorte ou o azar de ter feito a profissionalização, antes ou depois de outros, aqui ou ali.

Há quem fique contente com isto. Mas será que vale a pena esperar apenas que o tempo passe?

Outras crises

Capela do Senhor dos Passos em Campo Maior

Será que é assim que vamos ficar de cada vez que ouvimos o ministro das Finanças?