segunda-feira, 14 de maio de 2012

Grécia. E agora como é?

O discurso sobre a democracia é longo nesta Europa recente, depois de guerras genocidas e submissão de povos, com alguma acalmia nas recentes décadas. Sobretudo quando o que alguns entendem por democracia dá resultado, de acordo com as previsões dos meios financeiros ou de alguns imperialismos, às claras ou não, que (cada vez mais) mandam.
Juristas e políticos vários recomendáveis e insuspeitos têm recomendado o respeito pela lei, pelas constituições, pelos tratados. Parecia consensual num processo imparável de progresso. Só teriam entrado, só entraram para a União Europeia os estados que respeitassem os princípios de um estado de direito democrático. E terão entrado porque provaram que cumpriam as regras constitucionais democráticas. Não entraram repentinamente. Veja-se, por exemplo, as provas que têm sido exigidas à Turquia desde há longas décadas, sem que este estado tenha conseguido ainda provar ser merecedor da entrada neste exemplo de democracia.
As eleições gregas foram válidas, ninguém contestou o processo. Os cidadãos gregos votaram segundo a sua consciência, princípio incontestável, pelo menos até agora, na União Europeia.
O problema é que votaram contra o que as instituições financeiras e os estados que mandam,  mas que não poderiam mandar segundo as regras aceites, porque os tratados exigem consensos ou maiorias. Afinal os partidos gregos que aprovaram todas as sujeições para a Grécia constituem uma minoria e não deveriam formar governo,  pois seria  contra uma das regras essenciais da democracia, o poder do povo, o poder da maioria no respeito pela lei feita pelos representantes do povo, dos cidadãos e não de escravos ou súbditos, que, por definição não fazem leis e apenas obedecem.
Afinal os cidadãos gregos podem votar ou não, ou só podem votar desde que os que mandam aceitem? Só podem votar naquilo que os outros lhe ditam, sobretudo os que mandam e ninguém elegeu? E os outros cidadãos da Europa terão que ser obrigados a votar apenas nos partidos que obedecem às instituições que niguém sufragou?
Afinal qual é o conceito de democracia? Ou será que para alguns, os resultados eleitorais só são aceitáveis quando os cidadãos são obedientes aos ditames dos que, não se sujeitando às regras da democracia, mandam porque mandam?
Podemos ou não votar em consciência ou só naquilo que nos mandam votar seja a que pretexto for?

Já há perto de duzentos anos Almeida Garrett escrevia sobre o dia 24 de Agosto de 1820:

Escravos ontem, hoje livres; ontem autómatos da tirania, hoje homens; ontem miseráveis colonos, hoje cidadãos; qual seria o vil (não digo bem), qual seria o infeliz que não louve, que não bendiga o braço heróico que nos quebrou os ferros, os lábios denodados que ousaram primeiro entoar o doce nome Liberdade?

Mas se almas há ainda tão abjectas, se corações tão pusilânimes, tão acanhados espíritos, tão baixos ânimos, tão envilecidos peitos, tão desprezíveis homens, que são esquecidos que são cidadãos, de que são homens, de que são Portugueses, ousam duvidar um momento da legitimidade, com que a mais nobre [,] a mais ilustre porção desta cidade clamou por uma constituição política, reuniu as suas forças para fim tão glorioso [...], se alguns timoratos e duvidosos, receiam e tremem; eis aqui quando um homem de bem, quando um Português, que o é, deve, acendendo o facho da filosofia, e das letras, fazer servir as suas luzes, e ilustrar a sua pátria, sacrificar-lhe as suas vigílias, mostrar que é cidadão.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Feriados ainda e amanhã também.


Há por aí muitos que falam de valores e sobretudo da perda de valores. Este ano houve por aí uma discussão (ligeira) sobre os feriados. E, para alguns intransigentes dos valores, a discussão sobre as promoções da tal cadeia com um patrão nacionalista mas com uma sede holandesa, de supermercados, como outras, passou como se fosse apenas uma liberdade de escolha, porque o 1º de Maio era uma coisa do passado, essa coisa das oito horas de trabalho ou os direitos sociais, uma ficção que não se coaduna com os tempos pragmáticos atuais. Talvez fosse interessante saber a reação se fosse uma promoção de carne na sexta-feira santa ou outra qualquer na noite de Natal. Talvez aí viessem com outros valores!

Há uns, envergonhados, que ainda dizem que o 1º de Dezembro deveria continuar feriado, porque defendem a toda a hora os valores nacionais, a Fé e o Império, D. Miguel ou D. Sebastião. Claudicaram também! O argumento é quase sempre o mesmo: os outros estragaram tudo e agora temos que fazer sacrifícios (digo eu, alguns ou a maioria). A culpa é sempre dos outros, sobretudo para quem continua sentado!

Já há muito que não aguento moralistas! Sobretudo os incoerentes! Preguem moralismos ao espelho e que fiquem satisfeitos. Pouca paciência também tenho para os relativistas.

Não é preciso grandes demonstrações para provar que o problema não é o número de feriados. Estados, como a RFA, têm mais feriados que nós e são apresentados como países “do trabalho”. Os trabalhadores alemães até trabalham menos horas que os portugueses e, se particularizarmos, as mulheres portuguesas são das que trabalham mais na Europa. Confunde-se, e propositadamente (um dos sintomas de que o capitalismo em Portugal ainda está afastado da maturidade e enredado nas teias de sociedades hierarquizadas, onde ainda se despreza o valor do trabalho e mérito), horas de trabalho com produtividade.

Meus senhores (porque assim querem ser, o que implica que outros sejam súbditos), se quiserem que os portugueses trabalhem mais, promovam o trabalho para os que estão desempregados, porque estes querem trabalhar e já muitos têm formação!

Portugal é uma República, em que o Estado está separado da Igreja, das igrejas. A questão dos feriados põe-se em termos políticos e não religiosos. Cada um pode ter ou não ter a religião que quer ou não ter nenhuma. Ninguém pode ser obrigado a ter uma religião, histórica ou moderna.

Felizmente, a própria Igreja Católica Apostólica Romana já não exige a supremacia que teve noutros tempos. Mas há sempre, e literalmente, alguns que são mais papistas que o Papa.

Pelo que percebi, o governo transigiu sem qualquer necessidade. Quer, autoritariamente ,acabar com o dia que simboliza a República e com o dia que simboliza a Independência. Sinais dos tempos! De alguns!

 Mas fez um favor, talvez inútil, acordou com a Igreja, a suspensão de dois dias santos por cinco anos! E acabou com os feriados civis, republicanos, patrióticos! Como se alguém lhes tivesse dado o poder de acabar com símbolos pelos quais tanta gente e tanta gerações lutaram e se sacrificaram! Como se se sentissem na missão de, em nome de todos e sem lhes perguntar, acabar com tudo o que levou séculos a conquistar! Em nome de uns trocos do FMI e de uma ideologia neoliberal, conservadora e até reacionária e do ... salve-se quem puder!
Triste gente inútil que haveremos de um dia levar a que tenham alguma consciência do que é a RES PUBLICA.