O discurso sobre a democracia é longo nesta Europa recente, depois de guerras genocidas e submissão de povos, com alguma acalmia nas recentes décadas. Sobretudo
quando o que alguns entendem por democracia dá resultado, de acordo com as previsões dos meios financeiros ou de alguns imperialismos, às claras ou não, que (cada
vez mais) mandam.
Juristas e políticos vários recomendáveis e insuspeitos têm recomendado o respeito pela
lei, pelas constituições, pelos tratados. Parecia consensual num processo
imparável de progresso. Só teriam entrado, só entraram para a União Europeia os
estados que respeitassem os princípios de um estado de direito democrático. E terão
entrado porque provaram que cumpriam as regras constitucionais democráticas.
Não entraram repentinamente. Veja-se, por exemplo, as provas que têm sido
exigidas à Turquia desde há longas décadas, sem que este estado tenha
conseguido ainda provar ser merecedor da entrada neste exemplo de democracia.
As eleições gregas foram válidas, ninguém contestou o
processo. Os cidadãos gregos votaram segundo a sua consciência, princípio
incontestável, pelo menos até agora, na União Europeia.
O problema é que votaram contra o que as instituições financeiras
e os estados que mandam, mas que não poderiam
mandar segundo as regras aceites, porque os tratados exigem consensos ou maiorias. Afinal os partidos gregos que
aprovaram todas as sujeições para a Grécia constituem uma minoria e não
deveriam formar governo, pois seria contra uma das regras essenciais da democracia,
o poder do povo, o poder da maioria no respeito pela lei feita pelos
representantes do povo, dos cidadãos e não de escravos ou súbditos, que, por
definição não fazem leis e apenas obedecem.
Afinal os cidadãos gregos podem votar ou não, ou só podem
votar desde que os que mandam aceitem? Só podem votar naquilo que os outros lhe
ditam, sobretudo os que mandam e ninguém elegeu? E os outros cidadãos da Europa
terão que ser obrigados a votar apenas nos partidos que obedecem às
instituições que niguém sufragou?
Afinal qual é o conceito de democracia? Ou será que para
alguns, os resultados eleitorais só são aceitáveis quando os cidadãos são
obedientes aos ditames dos que, não se sujeitando às regras da democracia,
mandam porque mandam?
Podemos ou não votar em consciência ou só naquilo que nos mandam votar seja a que pretexto for?
Já há perto de duzentos anos Almeida Garrett escrevia sobre o dia 24 de Agosto de 1820:
Escravos ontem, hoje livres; ontem autómatos da tirania, hoje homens; ontem miseráveis colonos, hoje cidadãos; qual seria o vil (não digo bem), qual seria o infeliz que não louve, que não bendiga o braço heróico que nos quebrou os ferros, os lábios denodados que ousaram primeiro entoar o doce nome Liberdade?
Mas se almas há ainda tão abjectas, se corações tão pusilânimes, tão acanhados espíritos, tão baixos ânimos, tão envilecidos peitos, tão desprezíveis homens, que são esquecidos que são cidadãos, de que são homens, de que são Portugueses, ousam duvidar um momento da legitimidade, com que a mais nobre [,] a mais ilustre porção desta cidade clamou por uma constituição política, reuniu as suas forças para fim tão glorioso [...], se alguns timoratos e duvidosos, receiam e tremem; eis aqui quando um homem de bem, quando um Português, que o é, deve, acendendo o facho da filosofia, e das letras, fazer servir as suas luzes, e ilustrar a sua pátria, sacrificar-lhe as suas vigílias, mostrar que é cidadão.
Já há perto de duzentos anos Almeida Garrett escrevia sobre o dia 24 de Agosto de 1820:
Escravos ontem, hoje livres; ontem autómatos da tirania, hoje homens; ontem miseráveis colonos, hoje cidadãos; qual seria o vil (não digo bem), qual seria o infeliz que não louve, que não bendiga o braço heróico que nos quebrou os ferros, os lábios denodados que ousaram primeiro entoar o doce nome Liberdade?
Mas se almas há ainda tão abjectas, se corações tão pusilânimes, tão acanhados espíritos, tão baixos ânimos, tão envilecidos peitos, tão desprezíveis homens, que são esquecidos que são cidadãos, de que são homens, de que são Portugueses, ousam duvidar um momento da legitimidade, com que a mais nobre [,] a mais ilustre porção desta cidade clamou por uma constituição política, reuniu as suas forças para fim tão glorioso [...], se alguns timoratos e duvidosos, receiam e tremem; eis aqui quando um homem de bem, quando um Português, que o é, deve, acendendo o facho da filosofia, e das letras, fazer servir as suas luzes, e ilustrar a sua pátria, sacrificar-lhe as suas vigílias, mostrar que é cidadão.