quarta-feira, 31 de março de 2010

Casablanca

Um grande filme que serviu de referência na época e durante largos anos para quem vivia em ditaduras e poderia ter a possibilidade de aceder a ele. Ainda hoje, como as tragédias gregas, mantém uma mensagem, dilemas e interrogações que perduram.
Nesta cena, personagens contraditórias. Uma mulher perseguida pelos nazis, que admira ou ama um resistente ao nazismo, que conheceu outro resistente, "o homem da sua vida", o qual abandonou em Paris, em circunstâncias que não podia explicar, porque se vivia em clandestinidade, época em que este também combatia o "monstro". Depois o encontro, em que os sentimentos e instintos são contraditórios com a aparente incoerência de um antigo resistente que agora parece contemporizar com corruptos marroquinos e de toda a parte, e a polícia francesa de Vichy, submetida aos interesses alemães, também corrupta, aproveitando-se dos refugiados.
Nesta cena dramática, os alemães cantam, como conquistadores, um hino. O homem que resistiu e fugiu das prisões políticas pede à orquestra que cante a Marselhesa, hino de França, potência colonial, quase protectorado alemão, mas também uma canção de resistência contra a opressão e pela liberdade.
Rick, o aparente arrependido, dá sinal para a orquestra tocar. Esta abafa os alemães. Refugiados que querem fugir para Lisboa, em direcção à América acompanham e cantam cada vez mais alto. Até os polícias franceses deixam de pensar no ordenado; uma prostituta francesa que anda com alemães cantam também com todas as forças, libertando-se da humilhação.
Heróis e anti-heróis em uníssono, um grito pela Liberdade, que não se sabia se viria.

terça-feira, 30 de março de 2010

Procissão do Senhor dos Passos, em Mértola






Procissão do Senhor dos Passos, em Mértola, domingo de Ramos.
Encontro entre o filho martirizado e a mãe. Encontros entre amigos e parentes.
Os pescadores levam o "pendão", com o SPQR, função que passa há muito de pais para filhos.
Ironia do destino: o percurso termina na antiga mesquita, onde, para além de um espaço completamente diferente de uma igreja, ainda se encontra o mirhab, o nicho para onde se orava em direcção a Meca.

Festival do Peixe do Rio, Pomarão. Jornadas Ambientais

http://www.alsud.pt/pt/AnexosNoticias/PROGRAMA.pdf

segunda-feira, 29 de março de 2010

A Primavera em S. Barão

S. Barão era um eremita, que vivia numa lapa de um monte perto de Mértola. O nome vem do latim, vir, viris, homem. Segundo a lenda ajudava os homens casados a tornarem-se pais.
A partir deste monte, onde vivia S. Barão, sente-se a fertilidade da terra, no esplendor do despertar da Primavera.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Reflexões sobre o ensino secundário (cursos científico-humanísticos)- 2

  O curriculum é hoje mais diversificado. E é bom que o seja. Mas só na aparência é que os alunos escolhem. Volto outra vez ao exemplo do Latim, disciplina que é estudada em países com línguas germânicas ou outras, mas que por cá é desprezada. Acrescento o exemplo de Évora, cidade que teve outrora grandes latinistas: não se estuda Latim em Évora no ensino secundário, embora existam três escolas secundárias. A disciplina de Literatura Portuguesa é opcional e só alguns a escolhem ou têm direito a escolher. Os alunos do agrupamento de Ciências Sócio-Económicas raramente têm História, porque têm que escolher entre História B e Geografia. No curso de Línguas e Humanidades podem ter que escolher entre Literatura Portuguesa, Latim ou Geografia. No 12º ano raros são já os que têm Física ou Química ou Filosofia e mais raros ainda os que podem ter Ciência Política ou Antropologia Cultural. Qualquer dia quase ninguém percebe a necessidade, porque as gerações se foram resignando e desabituando. Apesar de haver aqui três escolas secundárias, o que acontece é que em cada uma não existem inscrições suficientes e, por isso vão sendo convidados a “escolher” outras disciplinas. Pior ainda em escolas onde há menos alunos, como são muitas por esse país fora.

   Ora o problema resolver-se-ia se houvesse uma rede a sério, em que os alunos tivessem direito efectivo de escolher, independentemente de haver ou não outros com a mesma escolha. Pelo menos uma escola em cada distrito ou em determinada área, deveria ter todas as disciplinas do curriculum, ou seja umas escolas teriam umas disciplinas, outras teriam outras, mas com a garantia que nessa área existiriam todas, independentemente do número de inscrições. Se numa escola houvesse três inscrições, noutra duas e noutra quatro, funcionaria, pelo menos numa, essa disciplina. É um direito que não deveria ser sonegado por motivos administrativos ou corporativos. Se fosse necessário (e é), o Estado deveria assegurar transportes gratuitos ou residências de estudantes em condições (e não acabar com elas). Até ficaria mais barato, porque caro é os alunos serem obrigados a escolher áreas ou disciplinas que não querem e depois reprovarem. E sublinho, é um direito, para mais agora que o 12º ano passa a ser obrigatório.

Reflexões sobre o ensino secundário- 1


   O ensino secundário em Portugal já é um pouco diversificado. Actualmente existem os cursos científico-humanísticos, os cursos tecnológicos e os cursos profissionais. Os cursos tecnológicos estão em fase de extinção e os profissionais em expansão, sobretudo nas escolas secundárias, onde há uns anos não existiam. 
    Falemos dos cursos científico-humanísticos, aqueles que mais directamente visam o prosseguimento de estudos. Antes de analisar o curriculum, o problema deveria ser visto a jusante e a montante.
    Um dos factos é que os alunos, em média, vêm com muitas lacunas do 3º ciclo. Não cabe aqui atribuir culpas, até porque isso não leva a nada, mas se compararmos o que os programas do ensino secundário exigem, à partida, com os conhecimentos e competências que a média dos alunos apresentam, existe um grande desfasamento, visível nos dados estatísticos relativos às reprovações e desistências no 10º ano, embora tenham diminuído, mercê também de grande pressão sobre os professores e as escolas. Haveria que avaliar a sério se os alunos têm ou não os pré-requisitos essenciais para entrarem no décimo ano destes cursos. Há soluções, desde exames a entrevistas estruturadas com profissionais dos serviços de Psicologia e Educação. E dar oportunidades: entra neste sistema se está em condições, se não está deve ter apoios suficientes da escola para poder entrar em condições para estes cursos. Entrar só porque se quer ter um diploma é que não tem sentido nenhum.
   A jusante o problema é com as universidades que se têm demitido sistematicamente. As universidades não deveriam sequer poder queixar-se que os alunos não têm conhecimentos e competências quando entram. Deveriam escolhê-los e, aí, teriam obrigação de fazer o máximo possível. Seria estranho (parece que em Portugal não é) reprovarem a maioria logo no 1º ano, se os escolhessem. Não é para isso que pagam os contribuintes. Não se trata de elitismo (e em certo sentido é): as pessoas têm que aprender e ser bons profissionais, os diplomas têm que ter credibilidade ou então não servem para nada. Se o ensino superior não confiasse/desconfiasse nos exames do ensino secundário, talvez o ensino secundário fosse melhor e os alunos, pais e as escolas teriam outras estratégias. Por exemplo, se num curso de Português uma faculdade exigisse que os alunos tivessem conhecimentos de Latim e Literatura Portuguesa (que quase não se estudam), haveria alunos candidatos que escolheriam essas disciplinas. Como não me parece razoável que faculdades de engenharia aceitem alunos sem bases de Física ou Química, para além da Matemática ou que a futuros professores de 1º ciclo não seja exigida a Matemática.

domingo, 7 de março de 2010

Património degradado em Évora


Ruas da Moeda e de Alcoutim, em pleno Centro Histórico de Évora, Património Mundial. Algumas destas casas estão abandonadas há dezenas de anos. Na rua da Moeda, a casa ainda tem portais góticos, provavelmente do século XV; numa delas existia a “mezuzah”, uma ranhura onde os judeus punham um fragmento da Tora, para proteger a habitação. Vê-se que foi também uma adega, pois ainda lá está uma talha de boas dimensões. Na outra, já na rua de Alcoutim, pegada com a primeira, há uns anos vivia por lá uma pessoa que “alugava” quartos a raparigas e outros que não tinham para onde ir. Não tinha água nem electricidade e as pessoas iam buscar água a um fontanário no Largo dos Mercadores. A outra casa na rua de Alcoutim era, há dez anos ou mais, um restaurante. O tribunal ordenou o despejo e, de vez em quando, a porta, ou o que resta, é arrombada e serve frequentemente a um ou outro sem-abrigo ou consumidores de drogas.
A solução que a Câmara Municipal tem usado é emparedar as portas e, agora, fechar a rua.
Como se ninguém tivesse responsabilidades definidas: o proprietário, a Câmara Municipal, o IGESPAR.
Por vezes estes prédios têm dezenas de proprietários que não se entendem. Mas nós não temos culpa disso. A Câmara Municipal tem instrumentos suficientes para compelir a fazer obras ou tomar posse administrativa. No final pode apresenta a factura.
O que não se justifica é este perigo público e este miserável estado sanitário. Explico melhor: estes prédios podem ruir, como os quarteirões antigos funcionam em conjunto, os prédios vizinhos são também afectados, os ratos acumulam-se, os pombos também, com doenças associadas. E a defesa do Património, emblema de Évora, até o Turismo, essencial para a economia, o que é deles?

segunda-feira, 1 de março de 2010

Uma perspectiva pessoal sobre a Madeira


Tive a feliz oportunidade de conhecer a Madeira, pela primeira vez em 1974. Foi na viagem de finalistas do 7º ano do liceu em 1974, pouco antes do 25 de Abril. Não era fácil ir lá nessa altura, num país extremamente pobre como o nosso. A Madeira era contraditória. Pela primeira vez fui a uma discoteca, coisa que não havia em Évora, nem na maior parte do país, fui levado a sítios numa perspectiva de turista. Mas vi também uma pobreza muito grande, sobretudo em Câmara de Lobos. Há poucos anos, numa viagem organizada por amigos da Madeira, apercebi-me melhor, no terreno, das dificuldades imensas dos camponeses que iam até às vilas e ao Funchal, a pé, carregando às costas, descendo e depois subindo por caminhos íngremes, a pé, porque em muitos nem um burro passava, ou nem sequer tinham um animal de carga para levar as coisas que vendiam no mercado, em troca de pouco para o dia a dia. As comunicações eram feitas por essas encostas e depois pelo mar, as estradas que havia eram estreitas e perigosas. Ainda por cima esses camponeses tinham que pagar colonia, uma prestação feudal, semelhante ou pior que os foros que se pagavam no continente, abolidos depois do 25 de Abril. A vida destas famílias tinha muitas semelhanças com a exploração colonial.
Os madeirenses não eram (ainda não são) muito politizados, mas são activos. Emigraram (e ainda emigram, como grande parte do país) para a África do Sul, Venezuela, ilhas inglesas…, como antes foram para os colonatos de Angola. A sua persistência e habilidade são conhecidas, desde a antiga especialidade em fazerem levadas, que levou até a que Afonso de Albuquerque pensasse neles para desviar o curso do Nilo a fim de secar o Egipto, até aos empresários e especuladores conhecidos ou aos inúmeros pequenos comerciantes e industriais em países de emigração.
Alberto João Jardim percebeu esta gente e usou de todas as tácticas que aprendeu durante a guerra colonial, fazendo guerrilha e contra-guerrilha palavrosas, em nome de um desenvolvimento, com um discurso contra o Estado, contra elites, promovendo um estado clientelar em aliança com a Igreja, paternalista, pragmaticamente repressivo. Tornou-se um líder carismático, populista e creio que até é sincero nas suas convicções, embora o seu discurso seja contraditório e tenha forjado novos clientes do Estado. Mas não se preocupa com incoerências, porque a guerrilha permanente é o essencial para obter mais. Muitos acreditam nele, até porque o vêem no terreno, bebem uns copos, nas festas, no Carnaval. Ele está e outros não, por motivos vários, e os outros são outros em quem não se confia, tal como os camponeses não confiam em quem está distante e não é da terra. Alguém que andou descalço, emigrou para a Venezuela, chegou e viu uma festa com um líder a beber uns copos, com charutos e abraços e umas alarvidades, acredita no discurso da Joana Amaral Dias, que continua com ar de "menina fina", de Lisboa? É mais fácil acreditar naquele que fez umas estradas, promoveu umas festas à chegada daqueles que lutaram uma vida inteira. Quer tenha ou não razão. Certas elites portuguesas não compreendem isto, à direita ou à esquerda. Ou cedem cobardemente ou dão lições a quem não os ouve e na hora imprópria como hoje. As pessoas que estão desesperadas não estão para ouvir discursos de culpas. Elas ouvem quem está no terreno e faz alguma coisa, mesmo mal feita.
Felizmente há um sentimento nacional de solidariedade. E é isso que interessa neste momento. Esperemos, e tenho dúvidas, que a reconstrução não privilegie os lugares de turismo imediato e que seja feita uma avaliação dos erros para que não se cometam os mesmos depois, até porque a Madeira não é apenas um problema dos madeirenses. Mas tem que começar pelos madeirenses, e eles têm capacidade de reconstruir.