sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

A propósito de Mandela

Apenas para lembrar algumas ideias, que hoje parecem evidentes mas que de vez em quando, “por razões de estado”, parecem ser facilmente esquecidas.
Se a figura de Nelson Mandela parece hoje quase consensual, convém recordar que esteve 27 anos preso e torturado, acusado de terrorismo e incitamento à violência, por um regime ditatorial que legalizou o apartheid, portanto, a descriminação racial.
Quando alguém propunha medidas contra a África do Sul e pela libertação dos presos políticos, logo vinham as recusas justificadas pelo incitamento ao ódio da parte do ANC e de Nelson Mandela e pelo perigo comunista. Basta ver as posições de países como Israel, Reino Unido, EUA e Portugal até ao 25 de Abril. Poderíamos falar de outros, porque houve muitos “esquecimentos e  hesitações.
Aqui se transcrevem textos de alguns escritos nesses estados. Repare-se em Locke, a grande referência teórica do sistema parlamentar inglês, há mais de trezentos anos, a Declaração de Independência dos EUA, no século XVIII, a Constituição portuguesa, mais recente.
Parece que alguns governos só reclamam as liberdades para si.

John Locke, The Second Treatise of Civil Government, CHAP. XIX,1690

[…] whenever the legislators endeavour to take  away, and destroy the property of the people, or to reduce them to slavery under arbitrary power, they put themselves into a state of war with the people, who are thereupon absolved from any farther obedience, and are left to the common refuge, which God hath provided for all men, against force and violence. Whensoever therefore the legislative shall transgress this fundamental rule of society; and either by ambition, fear, folly or corruption, endeavour to grasp themselves, or put into the hands of any other, an absolute power over the lives, liberties, and estates of the people; by this breach of trust they forfeit the power the people had put into their hands for quite contrary ends, and it devolves to the people, who. have a right to resume their original liberty […]

We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal, that they are endowed by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the pursuit of Happiness. — That to secure these rights, Governments are instituted among Men, deriving their just powers from the consent of the governed, — That whenever any Form of Government becomes destructive of these ends, it is the Right of the People to alter or to abolish it, and to institute new Government, laying its foundation on such principles and organizing its powers in such form, as to them shall seem most likely to effect their Safety and Happiness.

Constituição da República Portuguesa, 1976
Artigo 7.º
Relações internacionais
[…]
2. Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.
3. Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão.

Nota: os textos estão no original, não por uma moda qualquer, mas porque assim “soam” melhor, são mais autênticos; realçamos algumas frases a negrito. 

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

As mulheres da Europa e as japôas


A visão que se tem do mundo reflete não apenas o que se consegue ver mas também a forma como se vê a cultura de que se faz parte.

Algumas frase de Luís Fróis, escritor da segunda metade do século XVI, jesuíta, que fala sobre as mulheres da Europa e do Japão. Certamente também um ponto de vista masculino, apesar da curiosidade pelo outro (neste caso as outras, que os padres não são imunes a estas vistas).









in História e Antologia da Literatura Portuguesa do Sé. XVI, Fundação Calouste Gulbenkian

sábado, 2 de novembro de 2013

Honra à sua memória.


As Alterações de Évora de 1637 foram fundamentais para o processo que levou à Restauração de 1640. Foram motivo de grande preocupação para a monarquia, dado o exemplo que se poderia seguir nos outros reinos do mesmo monarca, o que de facto aconteceu: em 1640 estala a grande revolta da Catalunha, começada pelos camponeses que afluíram a Barcelona, “Els segadors” (os ceifeiros). Ainda hoje o hino da Catalunha é a eles dedicado.

A revolta amedrontou a nobreza portuguesa, uns ficaram em casa discretamente, como o Duque de Bragança, outros continuavam na corte em Madrid ou nos exércitos espanhóis na Flandres, Itália etc., outros ajudarão na repressão. Mas era comum da parte da nobreza o desprezo pela gente vil e sem nome e pelos “arruaceiros”, os pícaros da rua, gente de ofícios mecânicos, inferiores a eles, que eram de mãos limpas. (as expressões em itálico eram assim usadas no Antigo Regime, algumas das quais nestes extratos). Mas repare-se o espanto: revoltavam-se, eram pobres mas não roubavam nada, apesar de, no momento terem tudo nas mãos. Mas os inquietos destruiam balanças, ecritos etc. que punham em causa as fontes de rendimento da monarquia e da nobreza, os privilégios e o seu papel na manutenção da ordem.

Repare-se também na posição do duque de Medina Sidónia, ele que era irmão da futura rainha de Portugal (aquela de quem se diz que mais valia ser rainha por um dia que duquesa toda a vida): segundo o cronista foi ainda mais duro para com os populares, para mostrar o seu poder, como um dos grandes de Espanha.

Poderia ainda perguntar-se: se não tivesse havido esta revolta teria havido a Restauração da Independência? Será que os catalães teriam feito a revolta de 1640, permitindo que os portugueses preparassem a defensiva, enquanto os exércitos andavam a combater os revoltosos? O que teria sido o Brasil: talvez um conjunto de colónias francesas (os franceses já tinham tentado ocupar o Rio de Janeiro, andavam pelo Maranhão), ou holandesas (estabeleceram-se no Recife) …?


Notas: a negrito enfatizam-se algumas expressões do texto citado de D. Francisco Manuel de Melo, Epanáforas …. As imagens são da atual Praça do Giraldo: uma placa comemorativa na parede exterior da Igreja de S. Antão, com os nomes dos que dirigiram a revolta e a fonte henriquina, coroada por Filipe I de Portugal com a coroa dos Habsburgos.


Porèm o Povo mais indignado, com esta fugida, aumentava suas desordens cõ mayores delitos. Afirmase por cousa rara, que toda a prata, ouro, e dinheiro q despojavão, queimarão na Praça sem algum respeito, como cousa pestifera, não havẽdo entre tãta multidão (q constava da peor gente da Republica) hũa só pessoa, que se movesse a salvar por seu proveito qualquer joya, das que outros entregavão ás chamas tão liberalmente. Tal era o odio, que pode mais que a cobiça, mais poderosa que tudo. Passou adiante o dano, e forão trazidos ao fogo todos os livros reaes, que servião de registro aos dereitos publicos; romperão as balanças dõde se cobrava o novo imposto da carne; devassárão a cadea, dando liberdade aos prezos de quem esperavão [A32] ser ajudados, saqueàrão os Cartorios, desbaratando papeis, e livros judiciaes. Porèm em todas suas acçoens, se mostrou sempre mayor â indignação, que ó interesse.
”[…]
. Queixavãose, e dizião: Que os senhores, e poderosos de Evora, não sentião deshumanamente a execução do Povo de sua Patria, porque não erão do Povo; que para os Grandes, nunca havia novas leys, que não fossem interpretadas em seu comodo; e que ainda contra a observancia das antigas, se armavão de privilegios; porque ou não querião dever, usando de sua franqueza, ou não pagar, abusando de sua autoridade. Que procuravão merecer com o Principe, á custa das ruìnas da patria, e agora se congraçavão com o Povo, para se justificarem despois com el Rey, oferecendo por victima, ao sacrificio de sua fidelidade, o inocente, e simples vulgo, cujo sangue derramasse, como de animaes obedientes, costumava a barbara gentilidade; porèm que havendose justificado com el Rey, serião os mais crueis algozes para o Povo; finalmente, que ou se ajuntassem com os Populares, ou entre si se dividissem, ou procederião contra elles, como contra inimigos do bem publico.
[…]
Fora poucos annos antes, conhecido em aquella Cidade, hum homem doudo, e dizidor, e por isso [A40] aceitissimo ao Povo, cujo nome era Manoel, e por jogo, e sua notavel grãdeza irònicamente Manoelinho. Usava fazer pràticas pellas ruas ao vulgo; a quẽ com vozes desordenadas, e historias rediculas excitava sẽpre a alegria, dõde procedeo ser na Cidade, e seus contornos, a pessoa mais conhecida; a cuja lembrãça recorrẽdo algũs de aquelles inquietos, foi ordenado entre elles, que todas as convocações, cartas, editos, e ordẽs, se despachassem debaixo do sinal de Manoelinho de Evora; porq assi se escusava de ser jà mais conhecido o Autor destas obras; ficando aquelle nome, desde então, constituido por sinal publico, para que se pudessem entender sem confusão, em seus chamamentos. Nesta observancia amanhecião cada dia fixados pellas praças, e portas da Cidade, Provisões, Bandos, e Decretos pertencentes ao estabelicimento de sua defensa: debaixo desta forma, se  escrevião, e despachavão cartas às Camaras do Reyno, se despedião os Ministros de seus oficios, e se acomodavão nelles outros, em virtude de hũ simples provimẽto, assinado por Manoelinho de Evora. […]

O Conselho de Estado de Espanha, ainda que não tão florente, como nos tempos passados, se achava todavia rico de sugeitos de grande prudencia, a quem parecia: Que o açoute soministrado aos Inquietos, se devia reger com grande temperança, olhandose o estado do Imperio, dilatação, e contrastes de Espanha. Que por nenhum modo fosse tal, que estimulados de lástima, ou medo, os Vassallos, que em Portugal se achavão firmes (mais, e melhores) quisessem obrar de maneira, que recebendo todos o golpe, sahisse mais pequeno a cada hum: porque muytas vezes sucede, que a porfia, ou excesso da emenda, estraga pella desesperação [A135] de muytos, muyto mais, que com a pena de poucos remedêa. Que a revolação se não deixasse, nem à ira, nem ao esquecimento, antes q cõ vagarosa, e apressada destreza, se fosse cauterizando aquelle erpe interior, que lavrava pello corpo da nação Portugueza, primeiro que chegasse ao coração, e se fizesse mortal, decepandoo da união da Monarquia. Que o remedio, continha duas partes: a presente de castigo, que se havia de executar logo, e a futura de prevenção, que tambem desde logo, se havia de ir introduzindo. Mas que medidas ambas, não erão de tanta importancia a primeira, como a segũda. […]

Em quanto em Alentejo, e suas fronteiras, ou jà os Ministros das armas, ou da justiça, procedião desta sorte, pello Reyno do Algarve, andava mais soberba a vingança. Estava seu castigo (como dissemos) á conta do Duque de Medina Sidonia, que jâ havia arribado a Ayamonte, com hum suficiẽte troço de exercito, de gente mais lustrosa, que disciplinada. He certo, que aquelle Duque, não tinha outras ordens de mayor rigor, que o de Bejar, acerca da entrada no Reyno; mas ou porque julgandose mais soberano, lhe parecesse q o negocio donde sua pessoa intervinha, della só havia de ser dependẽte, ou porq o Marques de Valparayzo, que o acõselhava, por de terrivel natural, o guiase por caminhos mais asperos, [A137] determinou proceder no Algarve, mais q o de Bejar, em Alentejo, riguroso, e absoluto.
[...]
A Justiça foi proseguindo em suas averiguaçoens, atè proscrever, como Reos de sedição, e cabeças de amotinados, a Sesinando Rodrigues, e João Barradas: pello qual  crime, forão condenados à morte, e em estàtua justiçados, com horrẽdos pregões, e bandos, prometedores de grãde honra, e interesse, a qualquer pessoa, que vivos, ou mortos, os entregasse nas mãos da Justiça. Algũs outros dos que na alteração tiverão menor parte, e por isso menos advertidos se confiárão, forão tãbem presos, econdenados, huns á forca, outros a galés, e desterros perpetuos; mas  todos homẽs vìs, e sem nome, e que os mais erão delinquentes, e por outros delitos merecedores das penas, que só ao caso da sedição referião.

Alterações de Évora e exércitos espanhóis


   Cõstava este exercito de Cãtâbria, de varios terços de Infãtaria Castelhana, quasi toda forçada para [A85] a guerra; a qual entre a aspereza dos montes de Guepúzcua, agora detida dos frios, agora dificultada do aperto dos passos, se conservava, mas sempre com vivo desejo de liberdade. Estimavase seu numero, dentro dos quarteis, em oito mil Infantes, que marchando soltos, e por terras largas, e conhecidas, se diminuìrão de sorte, que antes de arribarem â Estremadura, erão menos de quatro mil, e menos os que chegàrão ao novo alojamento. A mais rigurosa parte de aquellas armas, consistia em hum Regimento de Dragoens: nova milicia entre nós, e que de Alemanha trouxera a seu cargo Dom Pedro de Santa Cizilia, de quem no livro primeiro de nossa Catalunha, fazemos particular menção. Foi nomeado por General deste exercito, o Duque de Bejar, moço de desasete annos; havendose sua riqueza, e estado por suficiencia, disserão: Que por ser o mayor senhor da Estremadura, donde o exercito se juntava, lhe competia o posto[…]

   Mas como já no Reyno do Algarve, mostrava para revolverse mayores designios, foi tãbem mayor o cuidado de se lhe aplicar o remedio; porque os portos, de q aquelle Reyno he abũdante, causavão muyto mais receyo, que suas proprias forças. Por esta razão se ordenou, que o Duque de Medina Sidonia, Capitão General da Andaluzia, ajuntasse da gente de seu cargo, atè seis mil Infantes, e com os ginetes da costa, e alguns voluntarios, formasse outro exercito, com q se avesinhasse ao Algarve.

   O rei Filipe IV de Espanha, terceiro de Portugal estava a braços com várias guerras na Europa e no mundo, Países Baixos, Inglaterra, França e corsários, piratas, contrabandistas, com as remessas de prata do Perú a diminuírem, gastos da monarquia cada vez maiores e resolve, a conselho ou por ordem do seu valido, o Conde-Duque de Olivares, aumentar ainda mais os impostos. Os do reino de Castela já não aguentavam mais, já tinha havido até uma revolta popular no País Basco, a população até diminuía com a fome. Os súbditos dos outros reinos (Aragão, Portugal …)  entendiam que não deveriam financiar as guerras de Castela, invocando as suas leis e autonomia. E, no entanto, os impostos aumentavam e os recrutamentos militares também.

   Depois de outros motins é a vez da grande revolta popular de Évora que se estende pelo Alentejo, Algarve e Beiras: As alterações de Évora, também conhecidas por revolta do Manuelinho..
D. Francisco Manuel de Melo vem ao serviço do rei a Évora e descreve, tal como Severim de Faria os acontecimentos e o contexto.

   O Conde-Duque não confiava muito nos portugueses e por isso envia exércitos espanhóis, apesar da nobreza portuguesa não ter participado nos acontecimentos, opondo-se até aos vis populares, tal como D. João, Duque de Bragança, rei a partir de 1640. É interessante que um dos exércitos, que sai da Andaluzia é comandado pelo Duque de Medina Sidónia, da família Guzman, irmão de D. Luísa de Gusmão e cunhado de D. João, que anos mais tarde haveria de tentar uma conspiração para a separação da Andaluzia, com o apoio do rei de Portugal, que foi paga com a morte do Marquês de Ayamonte (também Guzman), por ordem do Conde- Duque (também Guzman).
O outro exército, não fosse os crimes cometidos, quase caía no ridículo. Segundo o cronista, saí da Cantábria e País Basco com 8000 homens a pé (imagine-se atravessar a Espanha, quase sem estradas) e chega à fronteira portuguesa com apenas 4000, isto é cerca de metade teriam desertado. Ainda por cima é comandado por um rapaz de 17 anos, porque era da família mais importante da Extremadura.

Nota: sublinhados nossos. Ver também texto de Severim de Faria sobre Alterações de Évora

Textos de D. FRANCISCO MANUEL DE MELO, EPANÁFORAS DE VÁRIA HISTÓRIA PORTUGUESA, EDIÇÃO SEMIDIPLOMÁTICA, POR EVELINA VERDELHO, CENTRO DE ESTUDOS DE LINGUÍSTICA GERAL E APLICADA (CELGA) FACULDADE DE LETRAS, UNIVERSIDADE DE COIMBRA, 2007

sábado, 21 de setembro de 2013

Évora será cidade

Por vezes é preciso ter memória. Quando se fala em autarquias, em eleições, em poderes autárquicos é preciso recordar algumas coisas, mas não reviver o passado.
Até 1974, durante o Estado Novo, os presidentes das câmaras eram nomeados pelos governadores civis, por sua vez nomeados pelo Ministro do Interior (o mesmo de quem dependia a PIDE/DGS, ou que dela dependia), nomeado pelo Presidente do Conselho. Autonomia não existia, os presidentes das câmaras, quando muito pedinchavam qualquer coisa, servilmente, ou defendiam os interesses de grupo, também servilmente. Dinheiro não havia quase, que era quase tudo para as guerras coloniais e para os grupos que se serviam do Estado para enriquecer num estado controlado, onde não podia haver greves nem manifestações nem direitos cívicos, políticos ou sociais.
Évora não podia crescer. Era a cidade intra-muros, com alguns bairros admitidos e dezenas de bairros clandestinos, porque as pessoas fugiam dos campos e tinham que viver em algum lado.
Fez-se um esforço coletivo imenso após o 25 de Abril. Participou muita gente anónima, inúmeros grupos de voluntários, moradores, outros que vieram de fora, fizeram-se experiências urbanísticas com a participação da população, urbanistas e arquitetos que haveriam de ser reconhecidos internacionalmente, como Siza Vieira e Nuno Portas, mas desprezados por alguns “esclarecidos” suburbanos que ascenderam rapidamente.
Évora recomeçou a ser reconhecida nacional e internacionalmente pelas escolas de teatro, pioneiras, por festivais de música, tantas manifestações culturais. Milhares de famílias não tinham sequer água e esgotos, no centro e nos bairros clandestinos e começaram a ascender às condições mínimas- à dignidade!, o que é pouco para gente satisfeita com o seu umbigo e que faz da ignorância um gesto contínuo de arrogância.
Évora chegou a Património Mundial, coroando esforços, estudos, participação de muitos cidadãos que demonstraram que Évora poderia ser uma cidade, cosmopolita, aberta, inovadora. Havia problemas, certamente, mas participação de muitos e vontade de resolvê-los.
Infelizmente, porque noutras regiões do país há diferenças, grande parte dos que mandam no Partido Socialista local foram-se organizando contra tudo o que eles entendiam que era comunista, sem ver sequer que muito do que se fazia era o que uma cidade digna desse nome, uma cidade de cidadãos, era muito maior do que preconceitos que qualquer reacionário (aquele que não quer mudar e que age contra) subscreveria. Alguns nem sabem que o Partido Socialista, na sua fundação, se proclamava como herdeiro do marxismo, que propunha também uma sociedade igualitária e que ainda mantém oficialmente como hino a Internacional.
O PS local, que durante muitos anos esteve na oposição, contestando apenas, conseguiu tornar-se poder. Como os que mandam no PS local não tinham programa, como se habituaram a ter lugares de nomeação (CCDR, governo civil, EDIA …) o seu programa foi destruir e mostrar quem manda. Não olharam a meios publicitários e propagandísticos, utilizando o aparelho de estado a seu favor, alianças espúrias, favores de empresas, favorecidas também. E ainda pensam que são importantes, socialmente, imprescindíveis. Pensam que são uma espécie de self made man à portuguesa, porque partiram da aldeia e conquistaram o poder, esquecendo-se que o poder que lhes foi dado nessa instituições que lhes permitiram subir, o foi através de uma rede caciquista que nada tem a ver com mérito e muito menos com princípios democráticos.
Hoje saúda-se que tem coragem de querer estar à frente desta autarquia, com vontade de mudar, através de eleições democráticas. Porque a cidade de Évora está minada, falida, o centro histórico com problemas de difícil resolução, esventrado e sem gente, porque os que têm mandado têm desprezo, raiva e inveja pela vivência numa cidade, até porque o seu ideal suburbano é o de uma cidade para a fotografia, onde os que podem circulam nos seus automóveis rapidamente e descansam nas suas vivendas com piscina, enfadados do bulício, das misturas sociais – da cidade.

É preciso devolver o cosmopolitismo a esta cidade, elevar a participação das populações, reconstruir o que tem sido desfeito.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

A grande e a pequena fraude


Começo pela grande fraude: Obama. Não é que tivesse grandes esperanças mas resta sempre uma réstia, como as cebolas que ao descascar nos afetam os olhos, sem que a visão desapareça. Obama sabe discursar, é inteligente, tem ideias, alguma visão do mundo, ao contrário de outros presidentes pouco alfabetizados como Reagan ou Bush(s). Parecia até não ser arrogante. Mas para governar os EUA, há que contar com os eleitores que existem, os sistema eleitorais obsoletos que existem, os inúmeros e poderosos lóbis (alguns numa certa Europa poderiam ser simplesmente acusados de corrupção), os eleitores eleitos com o financiamento dos lóbis etc. : um sistema político que se bloqueia a si próprio para manter o status quo dos interesses empresariais e uma política económica liberal quanto baste para defendê-los e quando não baste manda-se um exército, umas bombas, uns espiões, uma multitude de meios para manter a hegemonia. E prisões com tortura em Guantánamo que Obama prometeu acabar mas que ...
Quanto ao Médio Oriente interessa-lhes o petróleo, o gaz, a supremacia e o Estado crescente (de crescer) de Israel, a Terra Santa exclusiva para alguns (sublinhe-se alguns, mas poderosos) grupos judaicos, outras seitas religiosas, que talvez não sejam seitas, porque isso é mais questão de poder e número, que creem que pode ser aí o Paraíso fundamentalista, com exclusão dos outros, árabes sobretudo, quer sejam muçulmanos, cristãos ou sem religião.
Talvez ainda interesse a Obama, mas nada a outros que mandam, que a Síria foi um dos berços das culturas ocidentais, referência bíblica constante, um dos centros da cultura helenística, província essencial do Império Romano, lugar primordial dos primeiros cristãos e dos que se seguiram, centro da civilização islâmica, do tempo em que os poetas, filósofos, astrónomos e tantos outros davam lições de cultura ao mundo. Mas esses puritanos que decoram e citam a Bíblia constantemente, assumindo ares civilizadores, dominadores e arrogantes, esquecem ou desconhecem e nem vislumbram que estes povos são descendentes desses que eles, na América e outras partes se presumem como donos da verdade e herdeiros do povo eleito, que reservam uns vestígios de liberdade para eles mas que negam os direitos aos outros, em nome da liberdade económica reservada. Esquecem, apesar de usarem constantemente a palavra Deus (cristão) e até escreverem nas notas de dólar “in God we trust”, que foi a caminho de Damasco, capital da Síria, que o refundador do cristianismo, S. Paulo, teve a visão, a queda e a elevação que levou o cristianismo ao mundo, “urbe et orbi”.
Que Assad é um ditador, sabemos e não devemos permitir. Mas financiar grupos fundamentalistas e fascistas, como se fez no Afeganistão ou no Iraque, para substituir um regime e cair num estado falhado como no Iraque ou Somália ou Afeganistão, com perseguições a minorias significativas de cristãos, muçulmanos alauitas e outros, laicos, ateus, permitir o retrocesso e destruir património cultural mundial, obrigar as mulheres a voltarem a tempos “inquisitoriais”, para se conformarem com a moral vaabita da Arábia Saudita?
Entretanto Israel, que continua a ocupar os Montes Golã sírios, aproveita e ninguém põe em causa que tenha armamento nuclear e químico.

A pequena fraude é a pequena França de Holande. Parece que certos franceses querem voltar aos tempos do colonialismo na Síria. Ainda não engoliram as sucessivas derrotas no Vietname e na Argélia e ainda pensam que estão no tempo de Napoleão (que também foi derrotado por povos, como o português e russo). E diz-se socialista!? Mas também o que conta quem pouca influência tem e se quer pôr em bicos de pés de vez em quando, mudando de opinião quando uma alemã mandona exige?

terça-feira, 18 de junho de 2013

Dos comentadores e dos seus estudos não quotidianos



Continuo a dizer que o mal de alguns comentaristas profissionais é não se informarem. No mundo atual não dá para dar opiniões sobre tudo, como se fossem verdades indiscutíveis. Nunca deu! Percebo que se ganhe com isso, quando se tem fama. Mas fica mal, para já não falar de alguma desonestidade intelectual.
Sousa Tavares fala de uma escola primária numa aldeia perdida no Norte, onde terá andado. Havia frio, uma professora esmerada etc.
Lembra-se de coisas de há décadas. Sabemos que a memória nos trai. Lembramo-nos de coisas que nos emocionaram, de outras não. Felizmente não chega a fazer a apologia do Portugal dos pequeninos, dos que diziam, repetindo Salazar, que “a minha política é o trabalho” (o que significava não participar naquele terrível mundo urbano, cosmopolita, mas defender, mesmo contra os vizinhos, aquela sociedade autoritária, camponesa e patriarcal reinventada), mas … quase.
Também eu andei em escolas primárias com condições ínfimas, com o frio do Alentejo que não é menor que o do Litoral Norte. Também tive colegas, em Alter do Chão, que andavam descalços. Também eu tive colegas que todos os dias apanhavam reguadas e que nem se atreviam a dizer em casa, porque apanhavam mais. Também tive professores interessados nos seus alunos. Parece-me e tenho a certeza que ainda há muitos, muitos anónimos.
Mudei de escola primária para Sousel, também no Alentejo. Dos meus colegas da 4ª classe, que eu saiba apenas uns dois, talvez mais um, onde me incluo, tiraram um curso superior (ou o que o era na época), na idade “normal”. Outros ficaram pelo caminho e, não fosse haver um colégio, que nem todos podiam pagar, com condições hoje inacreditáveis, talvez outros não tivessem feito o ensino secundário ou parte.
Esquece-se, ao falar dessa escola, do ambiente que tinha em casa. Esquece-se dos livros que tinha, de uma mãe escritora e um pai jornalista e dos círculos de amigos da família. Também eu tive alguma “sorte” nesse aspeto. Mas a maioria não tinha.
Parte da sua experiência particular. Quase como se fosse possível voltar atrás. É, infelizmente o mesmo vício de raciocínio de Nuno Crato, quando pensa que é possível voltar ao paradigma dos antigos liceus, dos alunos que vivem só para exames, para entrar na universidade.

Parte do princípio que antes, “nesses tempos fundadores”, os professores não faltavam e hoje faltam. Dados não lhe interessam, mas sim afirmações, baseadas na sua opinião, no seu senso comum, sem que se dê ao trabalho de ir ao terreno, ver o que é uma escola e informar-se que é o dever de um jornalista. É o mesmo pensamento reacionário de tantos que, partindo dos seus preconceitos, decretam a verdade. Infelizmente há muitos por aí. Arrogantemente pensam e proclamam, inculcam, repetem até à exaustão, do alto das páginas dos jornais, numa comunicação unilateral, gostam de ofender, como se isso fosse coragem, satisfazem-se como Narciso a apreciar a sua própria imagem nas águas, mas … “o mundo pula e avança”. E o mundo de hoje, já tem muito mais gente com instrução e que sabe pensar, sem precisar das ideias feitas e das verdades inquestionáveis, “ex-cathedra”.

Junto esta imagem de um livro com muitos depoimentos, onde também contei a minha memória das escolas em que andei.