sábado, 19 de abril de 2014

Sobre Gabriel Garcia Márquez


Eu já não gostava muito daquela expressão “realismo mágico”, sobre este e outros escritores da América do Sul. Mas esta ainda entendo como um ponto de vista. Parece-me que o tal realismo mágico é apenas uma expressão de quem vive noutra civilização, mais industrializada ou que já ultrapassou essa fase, mais eficiente, mais comprometida com objetivos que visam o lucro imediato e a longo prazo: a civilização do relógio, agora digital, do tempo que é dinheiro e vice-versa, onde pode haver uns tempos programados para férias, artes e literaturas. Dificilmente, a partir deste ponto de vista se compreende outras realidades, que aparecem como exóticas, tal como no século XIX aparecia a Espanha ou Portugal, parentes próximos e seguros, ainda com alguma civilização, ao contrário da África dos “selvagens”, embora perto, mas estranhos, ainda reveladores dos costumes do antigo regime, contraditoriamente mantendo os tempos que já tinham passado, de que se sentia alguma nostalgia e também algum carinho protetor.

Muitos não terão reparado que Gabriel Garcia Márquez falava mesmo da realidade, certamente com algumas misturas de realidades, como um excelente contador de estórias que acrescenta qualquer coisa, que sabe usar os tempos das personagens e dos ouvintes. Como por cá, mas sempre de forma diferente, com a delícia de uma linguagem de quem narra para quem ouve e lê, com tempo, como fizeram Camilo Castelo Branco ou Manuel da Fonseca, ou no Brasil Jorge Amado e Graciliano Ramos ou Cervantes de uma literatura que se tornou universal, a partir de aldeias ou regiões reais.

Continua a circular desde há uma dúzia de anos uma falsa carta de despedida de Gabriel Garcia Márquez que circula ciclicamente  e que ele repudiou veementemente. Por muito que custe a alguns, ele não estava arrependido nem nunca produziu um texto onde a palavra Deus aparece tanta vez, num estilo que não era o dele. Há que ler as suas obras inconfundíveis e não cair na esparrela, reproduzindo um texto que não honra a sua memória. Há que ler e não difundir para as redes só porque se acha interessante num primeiro momento.

É de pensar quem é que nos controla. Se procurarmos no Google ou outros, aparece nos primeiros lugares o tal discurso e só depois de muito procurar, poderá ser encontrado um artigo de alguém a desmentir. Há organizações que manipulam isto de modo a convencer os outros, utilizando um mito recorrente de que os ateus se voltam para Deus na hora da morte. Noutros casos, quando a informação não agrada a quem manda, a informação desaparece. Há por aí umas tendências totalitárias que querem obrigar ao pensamento único, usando ínvios caminhos de sedução com palavras que entram facilmente no ouvido de quem já as espera ou já desespera de muita coisa. Pelo menos que se respeite os mortos e a obra dos que "da lei da morte se vão libertando".

Há uns que teimam em definir o que os outros são. Há quem olhe para outros como espécies exóticas que nos dão algum prazer nas férias ou noutros descansos. O melhor é ler a obra e que cada um faça dela o que quiser. Foi para isso que foi feita.