segunda-feira, 7 de abril de 2008

Os pombos


Pombos na Travessa das Cruzes, Évora
Os pombos estão de há muito inscritos na mitologia ocidental. Na Bíblia, a começar, anunciam o fim do dilúvio e o reaparecimento da Terra Firme e, portanto, o fim do castigo divino e a redenção dos homens novos, que os outros ficaram afogados. Os pombos apareceram a Noé, o homem da barca que também descobriu a vinha e provou o vinho e de quem seu filho Caim se riu, porque viu o pai sob influência alegre dos vapores que nunca mais deixaram em paz a cristandade. Caim, porque se riu do pai, que se alegrava rebolando no chão, foi castigado com o trabalho. E foi com este argumento que se legitimou a escravatura ao longo de séculos. O trabalho é castigo, portanto "o trabalho é para o preto", portanto, diz-se que se "trabalha que nem um mouro". Por isso, os importantes em Portugal até ao século XVIII (?) eram os definidos legalmente por "gente de mãos limpas", ao contrário dos inferiores, das "artes mecânicas".
O pombo, e sobretudo a pomba, têm sido também sinal da paz, imortalizado por Picasso, esse artista genial que já não se percebe se foi um ditador familiar execrável ou se teve a má sorte de ter múltiplos filhos sedentos dos dinheiros rendidos pela obra do pai.
Enfim, pelo menos ficou uma obra inovadora e causas tão universais como a da democracia em Espanha, o que não é nada pouco.
Deixemos Santo Agostinho e Noé e voltemos aos pombos.
Há várias espécies de pombos. Em particular relembro o utilissimo serviço dos pombos correio que tanto espantaram os recém-cristianizados bárbaros que fizeram as cruzadas na Palestina, contra povos herdeiros de várias civilizações (vale a pena ler a História vista pelos árabes de Amin Malouf).
Os pombos andavam pelos campos e faziam o seu trabalho ecológico, admirado e comido por muitos.
Mas esta civilização industrial e pós-industrial resolveu metê-los nas cidades. E ficam bem nas fotografias, sobretudo naquelas praças londrinas que enformaram a mente dos que resolveram embelezar as praças latinas (o lugar historicamente onde havia praças). Entretanto, os centros antigos das cidades começaram a ser menos povoados e as populações a envelhecer. E para os que vivem isolados e não têm já possibilidade de ter um cão ou um gato, o pombo torna-se o bicho quase doméstico que não dá trabalho. Com a vantagem de ser agradável aos netos que vêm de vez em quando, a quem se dá um pacote de milho e umas sobras de pão que a criança distribui e se alegra com a movimentação dos comensais.
Só que os pombos, descontando as fotografias e as pequenas e efémeras satisfações individuais tornaram-se uma praga. Os dejectos são ácidos e atacam o granito, o calcário e outras rochas dos monumentos e casas. E entram pelas chaminés e casas adentro. E deixam excrementos e derrubam o que está à sua frente. E multiplicam-se rápidamente, todos os meses. E multiplicam-se nas inúmeras casas vazias desta cidade e de outras. E para melhor moerem o que engolem, esgravatam nos granitos para engolirem areias, como na Sé de Évora com as colunas carcomidas. E há também quem os utilize, na miséria escondida, como "galinheiro" em que se caça um de vez em quando. Um jantarinho para consolar! Mesmo que se saiba que são portadores de inúmeras doenças.
Mesmo que as autoridades públicas conheçam a praga.

Nenhum comentário: