domingo, 24 de fevereiro de 2008

Separação entre Estado e Religiões e Avaliação de Professores

No despacho publicado recentemente sobre a delegação de competências aparecem os vários grupos de recrutamento em anexo, agrupados em departamentos. Um deles é Ciências Sociais e Humanas. Nele vêm os professores de História, Filosofia, Geografia, Economia e Sociologia, Educação Tecnológica (?) ... e Religião Religiosa e Moral Católica.
Ora o senhor secretário de Estado desconhece que o Estado e as religiões estão separadas constitucionalmente? Que desde 1910 há uma separação entre o Estado e Igreja, embora interrompida, não formalmente, no tempo de Salazar, mas clara desde a Constituição de 1976?
Que a Constituição e as leis não permitem que o Estado interfira nas actividades das confissões religiosas?
Que, apesar da Concordata, não existe apenas Educação Religiosa e Moral Católica mas também de outras religiões? Está a discriminar as outras? Num país, onde, por exemplo, há alunos de professores protestantes, estes professores são ou não avaliados?
Sabe o senhor Secretário de Estado que só é professor de Religião e Moral Católica quem tiver a confiança do bispo da diocese? E depois se este professor tiver uma avaliação de insatisfaz e o bispo o achar imprescindível, como é que fica?
É um professor avaliador, que pode ser de outra religião ou ateu, que vai avaliar um professor de Religião?
Sabia que não se pode dar o nome de Ciência a uma Religião e a um ensino de matéria confessional? Um professor de Religião e Moral Católica não é obrigado a respeitar os métodos das Ciências Sociais. Trata-se de crença, de Fé em uma religião particular que a ninguém obriga.

O tempo em que a Religião Católica era a religião dos portugueses já acabou há muito.
Não se trata de "lapsus linguae", o senhor e a senhora ministra afirmam sempre com segurança o que dizem.
Expliquem-se. Ou querem passar por cima das leis e por despacho retornar ao século XIX?

Um comentário:

Anônimo disse...

A LEGITIMIDADE DO ENSINO DA EMRC
O educar é sempre optar.
A disciplina de EMRC é um direito dos alunos tutelado pelos pais; um dever do estado e um serviço da Igreja.
A legitimação vai-se fazendo como algo que compete à própria Escola. Deriva da finalidade cultural da escola, com um projecto educativo integral que não pode deixar de incluir o ensino da religião. Não é fruto da necessidade de evangelização da Igreja mas de algo que advém da necessidade da própria escola cumprir a sua missão de educadora.

“Toda e qualquer acção educativa que não tenha em mira a elevação espiritual do homem falhará, como aliás, têm falhado até hoje, uma vez que nenhuma teoria educacional baseada somente em princípios sócio - económicos – políticos conseguiu um vislumbre sequer, no sentido de marchar para a realização plena da vida, com respeito irrestrito à natureza e, notadamente, ao seu semelhante (....) e tudo indica que o caminho a seguir, para que o homem consiga se elevar à condição de humanidade, é o da elevação espiritual (...) assim a educação estará ajudando o homem a transcender do seu concreto, que é o seu substrato material, a fim de, mais alto, pela escalada da espiritualidade, poder ver e admirar o panorama físico e humano da vida e sobre o mesmo poder reflectir responsavelmente, no sentido de condução para um sentimento e uma solidariedade universais”(Nérici,1989:p.26)


1. A LEGITIMIDADE A PARTIR DO ESTADO
O sistema jurídico português define esta disciplina como sendo uma disciplina da escola ou seja, uma disciplina que é de natureza escolar e possui o mesmo rigor cientifico das demais disciplinas. Não se trata dum privilégio mas nasceu da ampla exigência própria da escola que se reclama dum projecto educativo integral; nasceu das finalidades cultural e educativa da escola. A E.M.R.C. faz parte da formação integral do aluno: “A disciplina de Religião e Moral Católicas faz parte do currículo escolar normal nas escolas públicas, (...) A disciplina de Religião e Moral Católicas, salva-guardando o seu carácter específico, está sujeita ao regime aplicável às restantes disciplinas curriculares, nomeadamente no que se refere às condições gerais de matricula e apoio pedagógico devido a alunos e docentes.” (Dec. Lei n.º 323/83 de 5 de Julho)
A Lei de Bases contempla a educação para os valores para a formação integral dos alunos.
Há vários artigos que reforçam, e não negam, os princípios da E.M.R.C.:
Art. 7 - a) “sentido moral e sensibilidade estética, promovendo a realização individual em harmonia com os valores da sociedade social...”
g) – “Desenvolver o conhecimento e o preço pelos valores característicos da identidade, língua, história e cultura portuguesas”. Não podemos esquecer que a raiz cultural da nossa sociedade é cristã.
n) “proporcionar, em liberdade de consciência, a aquisição de noções de educação cívica e moral”.

Art.º 47 n.º 1;2;3.


Assim como a Constituição da República Portuguesa:

Artigo 36º, 5 – O direito dos pais educarem os filhos;
Artigo 43º,1 – As liberdades de aprender e ensinar;
Artigo 67º, 1 – O dever do Estado cooperar com os pais na educação dos filhos;
E mais alguns exemplos:
Despacho 121/ME/85 de 19 de Julho.
Lei n.º 46/86 de 14 de Outubro: artigo 3º,5º,7º,9º e 47º
Dec. Lei 286/89 de 29 de Agosto – art. 7º
Dec. Lei 329/98 de 2 de Novembro – O Ensino aplica-se às outras religiões
“ A educação Moral e Religiosa Católica (EMRC) não está na moda. Embora poucas pessoas com honestidade intelectual se atrevam a pôr em causa a legitimidade do ensino religioso escolar, a verdade é que a EMRC tem sido mais tolerada do que desejada. No novo desenho curricular dos ensinos básico e secundário, o seu estatuto é de “disciplina de frequência facultativa”” (Estanqueiro, 2001:125).
Sem dúvida que há princípios orientadores que condicionam mas outros há que podem favorecer e sustentar a prática pedagógica da EMRC e delineiam a sua legitimidade.


2. A LEGITIMIDADE A PARTIR DA DOUTRINA DA IGREJA


O Concílio colocou a Igreja num processo de “aggiornamento” e o ensino da religião entrou também em renovação. É preciso deslocar a discussão do ensino a religião do âmbito da sacristia para o campo académico. Esta área do serviço da Igreja passa, também ela, por uma grande reflexão. É preciso encontrar uma nova legitimação a partir do conceito de Educação e do conceito de Cultura. Vista como uma acção da Igreja na escola deve ser vista como uma acção da escola, um serviço da Igreja à escola.

Um texto interessante, em que podemos ver claramente o pensamento da Igreja sobre a EMRC e a sua legitimidade, é o documento de 1976 “Orientações Pastorais sobre o Ensino da Religião nas escolas, sua legitimidade, carácter próprio e conteúdo” da Comissão Episcopal de Ensino e Catequese de Espanha, do qual me vou servir para traçar as ideias que penso serem fulcrais para entendermos o pensamento da Igreja sobre o ensino religioso escolar.


2.1. O PORQUÊ DO ENSINO DA DISCIPLINA DE EMRC NAS ESCOLAS

A) O ENSINO RELIGIOSO É UMA EXIGÊNCIA DA FUNÇÃO PRÓRIA DA ESCOLA

Sendo função da Escola transmitir, de maneira sistemática e crítica, a cultura, educando a pessoas para orientar-se na vida, individualmente e socialmente, e não só no armazenar de conhecimentos, o ensino da religião é uma exigência da Escola, na medida em que está na linha dos próprios objectivos da Escola: a formação integral da pessoa, para aqueles que, por intermédio dos seus pais ou que por si próprios o desejem.

Essa relação não deve estabelecer-se exclusivamente em temas concretos, especialmente os afins. Deve estabelecer-se, acima de tudo, àquele nível em que cada disciplina configura a personalidade do aluno. Como exemplos:

• Com a história, que educa o aluno no sentido histórico, o ensino religioso estabelecerá uma conexão interdisciplinar com ela levando o aluno a descobrir o sentido da história para a fé cristã, ajudando-o a ser sujeito activo dela de acordo com os seus valores;
• Com as ciências naturais, que educa o aluno na racionalidade cientifica, o ensino religioso dialoga sobre a relação entre a fé e a ciência, mostrando que, pelo menos, a compreensão total do mundo não se pode reduzir à racionalidade cientifica.
• Com a literatura e as artes, educando o sentido artístico.

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Uma escola moderna, interessada na formação integral dos jovens não pode deixar de tornar possível esta “procura do sentido”, de abrir caminho para esta “região do ser” que faz parte integrante de todo o homem. Deve tornar possível a aprendizagem de todas as “linguagens” filosófica, artística, religiosa, etc.) do homem. Nenhuma delas pode ser tida como “secundária”, pois todo o homem deveria poder manejá-las com relativa facilidade para poder ser capaz de se exprimir e de se “dizer plenamente. É perfeitamente normal que a escola moderna e autêntica aceite, sem preconceitos, definir e executar o seu projecto educativo de modo a sensibilizar as crianças e os jovens para as preocupações de tipo moral e religioso, como “re-leitura” e “re-interpretação” do mundo, do homem e do transcendente, e de os assistir na investigação das significações que dão sentido à vida e aos acontecimentos.


A Educação é uma questão de liberdade. Os pais têm o direito de escolher o projecto educativo para os seus filhos. A Escola é um lugar de educação integral; educa-se pelos conteúdos do ensino, pelos pressupostos e pelo ambiente educativo (pela cultura da própria escola)

“O principal objectivo da educação é suscitar e favorecer a harmonia pessoal, a verdadeira autonomia, a construção progressiva e articulada dos aspectos racional e volitivo, afectivo e emocional, moral e espiritual. Desta harmonia pessoal decorre a participação social e feliz, cooperante e solidária, que resulta na harmonia social.” (CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, Carta Pastoral – Educação Direito e dever - missão nobre ao serviço de todos, Art.3)

“A educação integral é o corolário legítimo da dignidade humana. Progrediu-se muito na preocupação e realização educativa: ampliaram-se os espaços e comunidades educativas, quanto ao tempo, quanto aos aspectos integrantes e quanto aos intervenientes. É importante ter presente que todo esse trabalho e progresso é sempre em função da pessoa, um serviço que se lhe presta em ordem à sua educação e desenvolvimento integral. Esse deve ser, de facto, o objectivo de todo o labor educativo”. (CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, op. Cit. Art. 28)


“Sabemos que a escola realiza uma parte fundamental do projecto e do processo educativo. É desejável que, dentro da sua autonomia, ela se abra ao meio e que toda a comunidade envolvente se empenhe num trabalho educativo em convergência. A educação para a plena cidadania traz consigo o aperfeiçoamento da capacidade do juízo de valor; mas, acima dele, o compromisso e a acção serão decisivos para a mudança de atitudes e de comportamentos que aproximam do outro, numa relação baseada em valores e geradora de valores. Desejamos que a escola, sempre aberta à inovação educativa, encontre o seu caminho e seja fiel à sua vocação.” (CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, op. Cit. Art. 28)