sábado, 9 de janeiro de 2010

O casamento

Esta semana foi tomada uma decisão pela Assembleia da República que constitui uma ruptura histórica.
Histórica como outras ao longo da História. A instituição do casamento mudou ao longo dos tempos. Em geral assumiu a forma pública e entre dois sexos. Actualmente é um contrato entre duas partes livres.Mas há sociedades em que é ou foi poligâmico (veja-se o casamento do presidente da África do Sul), em diversas formas, em que um homem pode casar com várias mulheres ou até em que uma mulher pode ter vários homens. Numas culturas o casamento é durável, noutras não. Na sociedade portuguesa actual já não é assim: o número de divórcios já é superior ao dos casamentos e cada vez se casam menos pessoas.

Na nossa sociedade foi sacralizado pela Igreja Católica, sobretudo a partir do século XVI. Mas também nem sempre foi assim. Na civilização romana não era preciso nenhuma religião para oficializar o casamento e mesmo na Idade Média nem sempre a Igreja se atrevia a meter-se em assuntos de família.

O facto de a moral católica enformar durante séculos, como poder também, não tem sentido em Portugal, uma República separada das religiões, com um interregno não muito claro mas com efeitos impositivos no dia dia totalitário do regime do Estado Novo. A Igreja Católica, as igrejas cristãs, muçulmanas ou outras não têm que interferir no Estado de direito. Ponham-se no seu lugar, que já houve quem abusasse muito. Felizmente o Cardeal Patriarca, que não é chefe da Igreja Católica em Portugal, tem tido até algum sentido pragmático e algum respeito pelas leis. E não deve passar disso porque não há nenhuma religião dos portugueses.

Há um grupo, com muitas assinaturas que quer um referendo. Ora isto põe duas questões: a necessidade ou não do referendo e os direitos.
Quanto aos referendos à partida não valorizo muito a sua necessidade e geralmente são objecto de grande manipulação de grupos não representativos dos cidadãos. Repare-se, por exemplo, na questão da interrupção voluntária da gravidez. Por que é que se tem que referendar as opções dos casais ou das mulheres em relação à gravidez? Que direito têm os outros de mandar na gravidez das mulheres? Ou pensarão que alguma aborta por prazer? Por vezes, referendos, como na Suíça, chegam até ao ponto de aprovar teses racistas, como a da proibição de minaretes. Democracia não é isso. Os direitos fundamentais, desde a revolução francesa, ou mesmo na tradição americana e inglesa, são considerados como inalienáveis e imprescritíveis. Mesmo os que atribuem os direitos a Deus, nessa lógica blasfemam quando se arrogam o direito de interpretar Deus, que para eles é omnisciente.

Mas nas regras da democracia portuguesa quem tem o poder legislativo é a Assembleia da República, com deputados eleitos, por voto universal e secreto, para não haver influências de terceiros. Não é um grupo de 70000 que manda neste país! Mau seria se minorias quisessem mandar nas maiorias para depois ostracizar outras minorias.

Se a questão é de direitos, os direitos não são referendáveis.

Deixem que cada um faça a sua vida, que se case ou que fique solteiro, que viva com uma mulher ou com um homem, que faça vida em comum ou não. Isso é problema pessoal.
É motivo de regozijo, de festa? Para alguns pode ser, para mim não, mas por que é que eu ou outros temos que intervir na vida de cada um?
Tratemos de outros problemas, que não são poucos.

Um comentário:

José Manuel Chorão disse...

Totalmente de acordo.
Mas a tentação da igreja ( a minúscula não é distracção) sempre foi de mandar nos outros, de pensar pelos outros, de decidir pelos outros e impôr a aceitação dos seus pontos de vista, a bem ou a mal.
É, infelizmente, um mal comum e não exclusivo da igreja, o achar-se melhor que os demais e autorizada por um qualquer poder, de origem supostamente divina,a mandar em tudo e em todos.
O que se vê, olhando em redor, é que os não religiosos não impõem nada a ninguém e deixam a cada um as suas escolhas; ao contrário, os religiosos, pretendem sempre impôr aos outros a sua vontade, mesmo em questões tão pessoais como essa que referes.
Só a cada um cabe decidir se aborta se deixa de abortar, se casa se deixa de casar, se com um homem, uma mulher ou uma boneca de borracha; se são ambos adultos, não é assunto que diga respeito seja a quem fôr.
Essa mania de querer mandar nos outros, por parte da igreja, já me está a deixar fora do sério.
Então e se fizéssemos um referendo e aprovassemos uma lei que obrigava os padres a casar (quisessem ou não), será que gostavam ?