Imagem do filme "Ivan o Terrível", de Eisenstein, o mesmo realizador que fez a famosa cena do assalto ao Palácio de Inverno, em "Outubro".
O Natal, antes de ser a data marcada postumamente para o nascimento de Jesus, o Deus Menino, que sucedeu a Mitra, como sua mãe a Ísis e às “Vénus” do Neolítico, era a festa pagã do Solstício de Inverno, o dia mais pequeno do ano, quando a falta de luz solar levava os homens a acender fogueiras como contraponto e homenagem à Natureza. Tal como pelo S. João das moças, que elegeram esse ascético semi-nu do deserto ou em alternativa o S. António do menino ao colo, intelectual franciscano e pregador milagroso contra os albigenses, se acendem também fogueiras no solstício de Verão, tempo de festas e outros mais prazenteiros afazeres. Os acertos do calendário, que afinal o ano não é de 365 dias, levaram até a que o Natal já não seja bem o solstício e a que os cristãos orientais por teimosia ou tradição festejem o Natal em Janeiro, tal como os espanhóis com os Reis Magos, tradição que se perdeu por cá, não fossem ainda alguns cantar as janeiras.
A Igreja Católica, uma religião ainda rural, apropriou-se da festa do solstício e este continuou com a sua festa e os homens com o seu culto agrário, durante quase dois milénios.
A revolução industrial foi destruindo toda esta ligação telúrica e o capitalismo achou por bem aproveitar a oportunidade, reconstruindo o mito, reaproveitando e reconstruindo a história em favor do consumo que enriquece as empresas.
E vá de transformar o Natal e o Solstício, fim e princípio de outro ciclo de vida e esperança. Ainda há uns anos eram as crianças, algumas, quem recebia a prenda em nome da renovação da vida. À noite, e as noites eram longas, deixava-se um sapatinho à chaminé, ao calor desse outro sol que era a fogueira da família, o lar. De manhã, bem cedo, levantavam-se as crianças, estremunhadas e sempre surpreendidas com a prenda do Menino Jesus, criança também em crescimento, como o sol que todos os dias se transfigurava num dia maior que o outro.
O Pai Natal era um mito mais nórdico, até associado aos protestantes tal como a árvore com a neve que raramente caía no Sul da Europa. A Coca-Cola deu-lhe ainda outra cor, mais apelativa, ao velho santo, ao santo do ano velho que acabava. Quem tinha imagens juntava musgo, sementes de trigo já germinadas e fazia um presépio. Pinheiros nem sequer se usavam em terras de carrascos, azinheiras, sobreiros e oliveiras. A vaca era o sinal da vida, do leite materno, o burro manso o trabalho em que quase todos se consumiam, os pastores, o retrato do homens, os reis magos do Oriente, a esperança em melhores dias que se iniciavam com o crescer do Sol.
O Natal era para as crianças e com prendas simples. Contaram-me até a alegria de uma criança na Beira, na Terra Fria onde as poucas frutas são ácidas, que recebeu do Menino Jesus a maravilha de uma laranja doce da Baía.
A família juntava-se, era certo, mas os rapazes faziam as suas festas. Em alguns locais do Alentejo chamavam-lhe a Missadura, o que dava azo a pequenos escândalos quando estes já apareciam cantando, levados pelo deus Baco, que há-de haver sempre um culpado qualquer, e dizendo algumas asneiras e piropos às raparigas que estavam na Missa do Galo, meio oficial, meio pagã também.
Mas inventou-se o consumo, que não é mau de todo e dá jeito temporário a quem consome e sobretudo a quem lucra e deixa os outros dependentes. Inventou-se o subsídio de Natal que, em vez de se pagar durante o ano um salário mais justo, acumula-se nas empresas e no sistema financeiro com juros devidos e acumulados por quem o detém, para entregar apenas no final do ano, para que o consumo seja mais rápido e se faça um “potlach” ao agrado de todos em particular e da economia de alguns em geral.
E vá de dar prendas a todos e de encher as ruas de luzes, em vez de fogueiras, das mesmas músicas, de encher as salas de prendas para dar às crianças que desembrulham tudo, se enfastiam depressa com a excitação de exigir mais ainda. E vá de dar prendas às mulheres e homens adultos, à malfadada sogra, aos irmãos com quem alguns se zangam por causa das partilhas das recordações dos pais defuntos e ainda à prima e ao primo, ao amigo, ao conhecido de há tempos, ao outro e à outra que fica mal não dar prenda, até porque já se recebeu uma prendinha da loja do chinês.
E lá se vai o Natal, com as suas alegrias e zangas e o Janeiro que há-de vir para pagar as contas.
O Natal, antes de ser a data marcada postumamente para o nascimento de Jesus, o Deus Menino, que sucedeu a Mitra, como sua mãe a Ísis e às “Vénus” do Neolítico, era a festa pagã do Solstício de Inverno, o dia mais pequeno do ano, quando a falta de luz solar levava os homens a acender fogueiras como contraponto e homenagem à Natureza. Tal como pelo S. João das moças, que elegeram esse ascético semi-nu do deserto ou em alternativa o S. António do menino ao colo, intelectual franciscano e pregador milagroso contra os albigenses, se acendem também fogueiras no solstício de Verão, tempo de festas e outros mais prazenteiros afazeres. Os acertos do calendário, que afinal o ano não é de 365 dias, levaram até a que o Natal já não seja bem o solstício e a que os cristãos orientais por teimosia ou tradição festejem o Natal em Janeiro, tal como os espanhóis com os Reis Magos, tradição que se perdeu por cá, não fossem ainda alguns cantar as janeiras.
A Igreja Católica, uma religião ainda rural, apropriou-se da festa do solstício e este continuou com a sua festa e os homens com o seu culto agrário, durante quase dois milénios.
A revolução industrial foi destruindo toda esta ligação telúrica e o capitalismo achou por bem aproveitar a oportunidade, reconstruindo o mito, reaproveitando e reconstruindo a história em favor do consumo que enriquece as empresas.
E vá de transformar o Natal e o Solstício, fim e princípio de outro ciclo de vida e esperança. Ainda há uns anos eram as crianças, algumas, quem recebia a prenda em nome da renovação da vida. À noite, e as noites eram longas, deixava-se um sapatinho à chaminé, ao calor desse outro sol que era a fogueira da família, o lar. De manhã, bem cedo, levantavam-se as crianças, estremunhadas e sempre surpreendidas com a prenda do Menino Jesus, criança também em crescimento, como o sol que todos os dias se transfigurava num dia maior que o outro.
O Pai Natal era um mito mais nórdico, até associado aos protestantes tal como a árvore com a neve que raramente caía no Sul da Europa. A Coca-Cola deu-lhe ainda outra cor, mais apelativa, ao velho santo, ao santo do ano velho que acabava. Quem tinha imagens juntava musgo, sementes de trigo já germinadas e fazia um presépio. Pinheiros nem sequer se usavam em terras de carrascos, azinheiras, sobreiros e oliveiras. A vaca era o sinal da vida, do leite materno, o burro manso o trabalho em que quase todos se consumiam, os pastores, o retrato do homens, os reis magos do Oriente, a esperança em melhores dias que se iniciavam com o crescer do Sol.
O Natal era para as crianças e com prendas simples. Contaram-me até a alegria de uma criança na Beira, na Terra Fria onde as poucas frutas são ácidas, que recebeu do Menino Jesus a maravilha de uma laranja doce da Baía.
A família juntava-se, era certo, mas os rapazes faziam as suas festas. Em alguns locais do Alentejo chamavam-lhe a Missadura, o que dava azo a pequenos escândalos quando estes já apareciam cantando, levados pelo deus Baco, que há-de haver sempre um culpado qualquer, e dizendo algumas asneiras e piropos às raparigas que estavam na Missa do Galo, meio oficial, meio pagã também.
Mas inventou-se o consumo, que não é mau de todo e dá jeito temporário a quem consome e sobretudo a quem lucra e deixa os outros dependentes. Inventou-se o subsídio de Natal que, em vez de se pagar durante o ano um salário mais justo, acumula-se nas empresas e no sistema financeiro com juros devidos e acumulados por quem o detém, para entregar apenas no final do ano, para que o consumo seja mais rápido e se faça um “potlach” ao agrado de todos em particular e da economia de alguns em geral.
E vá de dar prendas a todos e de encher as ruas de luzes, em vez de fogueiras, das mesmas músicas, de encher as salas de prendas para dar às crianças que desembrulham tudo, se enfastiam depressa com a excitação de exigir mais ainda. E vá de dar prendas às mulheres e homens adultos, à malfadada sogra, aos irmãos com quem alguns se zangam por causa das partilhas das recordações dos pais defuntos e ainda à prima e ao primo, ao amigo, ao conhecido de há tempos, ao outro e à outra que fica mal não dar prenda, até porque já se recebeu uma prendinha da loja do chinês.
E lá se vai o Natal, com as suas alegrias e zangas e o Janeiro que há-de vir para pagar as contas.
Um comentário:
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Abraço, Daniela Parra
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