quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A entrada em Portugal, os caminhos e os transportes em 1846



Andei muitos anos há procura deste livro. Tinha visto uma referência num texto de Cunha Rivara, a propósito da estrada em Arraiolos. Finalmente consegui o livro em pdf através do Google. É de um viajante inglês que atravessa a Espanha e Portugal, tendo sido publicado em 1847. A perspectiva é “naturalmente” de um inglês que vem de um país em plena maturidade da revolução industrial, onde já existem comboios de “alta velocidade”, estradas de macadame, indústrias, uma agricultura virada para o mercado e para o lucro, com adubos e tecnologia variada. Encontra países que ainda vivem o confronto entre o Antigo Regime e as ideias liberais, devassados pelas invasões francesas, as guerras civis e inúmeros golpes de estado, vulgarmente chamados em Espanha de “pronunciamentos”. Tanto em Portugal como Espanha se confrontam ainda o mundo antigo com o moderno, em Portugal guerras entre liberais e absolutistas, estes últimos perdedores mas continuando em guerrilhas ou mudando um pouco “para que tudo fique na mesma”, insurreições camponesas como a da Maria da Fonte em 1846, seguida da Patuleia; em Espanha as contínuas guerras carlistas, que juntavam a reacção absolutista com as reivindicações dos “fueros” e costumes tradicionais. Ainda por cima estes exércitos e guerrilhas internavam-se pelos territórios do país vizinho. As intervenções estrangeiras eram também frequentes. Dois países dilacerados, que tinham perdido as partes mais importantes dos seus impérios coloniais e que cada vez mais se afastavam da Europa industrial. Recorde-se ainda que, sobretudo desde 1640, as guerras entre Portugal e Espanha eram quase o estado normal.
O autor refere a falta de estradas (e repare-se que era uma das principais entradas em Portugal), afinal caminhos cheios de buracos. A fronteira era aberta (o autor ironiza que isto seria o ideal da livre circulação que ele, como inglês liberal defende), apenas encontrando um moço sonolento, a paisagem era quase um deserto até alcançar os olivais de Elvas. Só nesta cidade foi interpelado por uns soldados que, em vista do passaporte inglês, e como não sabiam ler mas não queriam dar parte de fracos, concluiram que poderia ser um agente espanhol! "Salvou-se" por falar com alguns oficiais, alguns de origem inglesa ou irlandesa que lhe pergutaram se tinha havido mais algum "pronunciamento em Espanha, coisa habitual. Na sequência, refere as estalagens portuguesas que, tal como as espanholas, não tinham nada para comer, leite nem vê-lo, apenas, por vezes, alguns ovos ou uma galinha pela qual se tinha que esperar que fosse morta e depenada, ou então uns bocados de chouriço, sopa (seria açorda?) e um guisado, com sorte. Salve-se a amabilidade que o autor refere em relação a ofertas de cachos de uvas e figos e a boa disposição de alguns portugueses e de algumas, apesar de elas andarem sempre com um lenço “mourisco” na cabeça.

Há pouco mais de 150 anos, num Alentejo quase sem gente e muito mato, aqui e ali sobreiros e azinheiras, sobretudo estevas que se queimavam periodicamente, alguns rebanhos de ovelhas, varas de porcos pretos, lobos, coelhos e perdizes, trigo ainda pouco.

Hughes, T. M., An overland journey to Lisbon at the close of 1846 ..., London, 1847.

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