terça-feira, 7 de setembro de 2010

Campo Maior e as santinhas.



   E se eu gosto de Campo Maior! Qualquer dia conto outras histórias, mas hoje vai esta muito simples.
   Fui ontem ao convento de Campo Maior, onde tenho uma sobrinha e afilhada, a única afilhada, que tenho outras sobrinhas que têm prazer em viver a vida, como ela também, mas de maneira diferente. Gosto delas de maneiras diferentes e também elas me demonstram um carinho especial.
   Fui ao convento no dia de Santa Beatriz da Silva, nascida em Campo Maior. Sou sempre bem recebido, embora as freiras saibam que não sou religioso, mas penso que preservam as ligações familiares e compreendem princípios éticos que respeitam, tal como eu as respeito.
   São mulheres como outras. Vivem em reclusão, mas falam de coisas da vida. Até falámos dos tempos difíceis e do contrabando que se fazia em Campo Maior e de que algumas conhecem muitas histórias.
   Entretanto houve a procissão. Pouca gente e alguns procedimentos menos habituais, como o andor da santa ser posto numa carrinha. De sublinhar o coro com as vozes límpidas das professas.
   Depois de dar uma volta, regressei ao convento com a minha mulher. Vinham umas ciganitas, três, dos seus oito, nove anos que nos fizeram inúmeras perguntas, seguidas de grandes admirações. Vinham bem vestidas e uma delas com um ramo de flores artificiais. Disse-lhes que tinha havido a procissão, mas reparei que não perceberam bem. Perguntei-lhes para que era o ramo de flores e uma delas respondeu que era para a santinha e a seguir pediu uma moedinha. Não lhes tirei uma fotografia, embora a cena merecesse, porque evito tirar fotografias à miséria e às crianças pobres, porque já basta a condição em que estão.
   Entrei novamente no convento. Na conversa percebi que estas crianças de vez em quando iam lá e tratavam as freiras por santinhas. Percebi então a “manhosice” delas e, melhor ainda, quando vi o ramo de flores no chão da rua. Percebi também que elas e outras querem falar mas há poucos canais de comunicação e o estigma começa muito cedo. Antes, quando estava a ver a procissão, um guarda republicano perguntou-me se era turista (talvez por me ver com máquina fotográfica) e avisou-me que havia ali ciganos. Vi também que vivem numas barracas miseráveis que o estado português não deveria admitir. Parece que alguns se dedicam a certos tráficos, mas estas crianças têm poucas possibilidades de escolher, apesar de terem a mesma nacionalidade que outros cidadãos portugueses e cidadãos da União Europeia.

2 comentários:

JM disse...

Houve este ano umas movimentações para essas famílias ciganas serem alojadas noutro local, mas parece que tudo caiu no esquecimento outra vez. Entretanto aquelas famílias continuam a viver em barracas e as fortificações de Campo Maior degradam-se cada vez mais. Entre o poder local e o estatal não haverá dinheiro, vontade e um plano para resolver a situação?

João F.B.R. Simas disse...

Independentemente de haver alguns que possam ter actividades ilegais (como outros que vivem em melhores casas), é uma vergonha para o Estado e cidadãos permitir que portugueses ou outros (mas estes são cidadãos deste estado) vivam nestas condições.