quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Viva Sevilha. Também o Alfredo e o Hermínio


Tinha há pouco pensado escrever texto sobre vivências de Sevilha. Lembra-me agora o célebre dito “ver Sevilla y morir”, o último desejo antes do Paraíso, aquele Éden onde existe o “verde que te quiero verde”, a água límpida dos rios que todos os que vivem nestas terras quentes sonham. Porque Sevilha é uma cidade fantástica, que combina um calor intenso com a frescura das águas do Guadalquivir, dos jardins do Alcazar, esse palácio múltiplo de simbioses de arquitecturas cristã e islâmica, onde se sente e se usufruem os prazeres dos sentidos. Sevilha de ruas estreitas, produto de várias civilizações, da mistura da antiga Hispania com outros ventos mediterrâneos, mouriscos, árabes, judaicos, das Caraíbas e outras Américas.
A primeira vez que fui a Sevilha tinha 18 anos, em 1975. Tinha conseguido um passaporte e uma licença militar (era assim que se podia sair legalmente de Portugal, antes do 25 de Abril seria quase impossível com esta idade). Ainda a ditadura não tinha acabado em Espanha e já os ventos revolucionários de Portugal sopravam para Leste.
Estava acampado em Monte Gordo e quis aproveitar o passaporte para conhecer o outro lado, pelo menos Ayamonte. Fui com outro amigo meu, passámos as alfândegas, o barco, trocámos escudos por pesetas e resolvemos ir até Huelva, de camioneta, por uma estrada estreita, que também a Espanha ainda era uma sombra do desenvolvimento. Em Huelva resolvemos seguir para Sevilha, já agora! Em Sevilha um calor intenso, aliviado apenas pelo ar condicionado do Corte Inglés, onde não fomos fazer compras. Depois, já era tarde e tínhamos que comer. Perguntámos a alguém onde se comia barato. Indicaram-nos o Zoco (a mesma palavra que souk, mercado em árabe), onde se comia pescado frito (eles dizem pecao). Depois do peixe frito com pão, incautos, dormimos nas margens do Guadalquivir, do lado de Triana, apenas com a roupa de Verão que tínhamos, na relva ou grama da margem. Fomos acordados aí pelas cinco da manhã, por uma matilha de cães vadios, coisa comum nesses tempos, em qualquer povoação do Sul.
 Passeámos por Sevilha, comemos uns churros pagos com umas pesetas que encontrámos no chão e regressámos.
Fui a Sevilha novamente, numa visita de estudo da Faculdade com o professor Luís de Matos, num seminário de Arqueologia Árabe Medieval: grandes descobertas- Mérida, Itálica, Alcazar e mesquita/catedral de Sevilha, Córdova, Mesquita, Alcazar, Sinagoga e espanto dos espantos o Alhambra de Granada. Em Sevilha nem dormimos, juntámo-nos a uns espanhóis e argentinos e sei que aí pelas seis da manhã estava a discutir pintura com um pintor daltónico, numa casa com um pátio e corredores labirínticos.
No ano seguinte, 1979, fui novamente em visita de estudo desse seminário. E, se antes não tinha quase dinheiro, desta fui quase sem nenhum. Na primeira noite mal dormi num sofá de uma pensão onde ficaram os outros colegas. Juntámo-nos um grupo, onde o mais velho e meio anarquista era o Alfredo Tinoco, sempre bem-disposto e alinhando em tudo. O Hermínio Monteiro (mais tarde na Assírio e Alvim) só falava do Garcia Lorca, das poesias e dos sonhos andaluzes, da nostalgia islâmica, de um mundo entre o passado e a Utopia. O Hermínio estava tão falido como eu e o que nos valeu foi uma conferência entre o Cláudio Torres e Luís de Matos que convenceu o gerente da pensão a arranjar-nos um quarto no sótão, onde ficámos eu, o Hermínio e outra colega, a Beatriz. Depois foi a vivência e o encanto da Andaluzia.
Encontrámo-nos outras vezes. Falámos de coisa sérias, de sonhos e outras sem importância.
O Hermínio já se foi há alguns anos. Soube há pouco que o Alfredo também. Ainda nem percebi  Espero que haja mais gente como eles!
Viva Sevilla.

Um comentário:

A Lusitânia disse...

Como gostei de ler. E relembrar sonhos partilhados!