segunda-feira, 28 de junho de 2010

Tudo ao molho e a tempo inteiro


Num país onde para resolver problemas simples em tribunais se demoram anos e anos, onde está inscrito na Constituição há 35 anos a regionalização e outras coisas de que se fala de vez em quando, onde se discute de vez em quando a reabilitação de centros urbanos a cair há décadas, onde ciclicamente se promete uma reforma eleitoral que aproxime eleitos dos eleitores … tomam-se rapidamente medidas sobre Educação que podem afectar a vida de centenas de milhares de pessoas.
Poderá isto parecer um pouco de demagogia, porque só se deve comparar o que é comparável. Mas o erro é habitual. Sem uma avaliação suficiente, sem conhecer a realidade do país, tomam-se, por vezes medidas drásticas, neste caso no ensino.
A resolução do Conselho de Ministros nº 44/2010:
Assim, determina -se que as escolas do 1.º ciclo do ensino básico devem funcionar com, pelo menos, 21 alunos. Esta orientação permitirá encerrar, até ao final do ano lectivo de 2010 -2011, aquelas escolas cuja dimensão prejudica o sucesso escolar dos seus alunos
Num país envelhecido isto significa que aldeias com perto de mil habitantes ficam sem escola; significa que milhares de aldeias vão ficar sem escola, que vão crianças de 5, 6 … anos andar todos os dias dezenas de quilómetros, esperando uns pelos outros, levantando-se às seis, sete da manhã e regressando ao fim da tarde. Isto, num país onde as câmaras municipais estão quase na falência ou pelo menos descapitalizadas, sem dinheiro para arranjar mais transportes nem proceder à manutenção de estradas.
Se tivémos um êxodo rural desde os anos 50, este governo continua a provocar a continuação deste êxodo, com as populações a ficar sem serviços de saúde, de educação, policiamento … nada, a não ser umas paisagens humanizadas com alguns velhos que por ali perduram, no meio de umas ruas desertas, umas capelas a cair, um silêncio e ar puro, quase ideal para quem gosta de Arqueologia, recordar memórias antigas ou simplesmente tirar umas fotografias exóticas e apreciar o turismo rural, a panaceia do desenvolvimento. Um fim-de-semana para turistas, uma fuga e um adeus para os que lá vivem, um sonho que acabou para os que pensaram ainda em regressar.
No entanto, repare-se: será que Portugal tem um interior com um destino de decadência inelutável? Será que o nosso interior é mais periférico que as aldeias da Finlândia, onde se vive?
Cite-se ainda, a grande preocupação do legislador:
“Todos os alunos devem frequentar espaços dotados de refeitório, de biblioteca e de sala de informática, espaços adequados para o ensino do inglês, da música e da prática desportiva. Pretende -se, com esta resolução, garantir que todos os alunos frequentem espaços que permitam a concretização da escola a tempo inteiro e que promovam uma efectiva igualdade de oportunidades.”
As grandes preocupações são a informática, o inglês (nada sobre outras áreas de conhecimento), refeitórios, as bibliotecas. Será que estas últimas passarão a ser um centro de entretenimento permanente, pejadas de computadores, mas quase sem livros, visto que, exceptuando a Gulbenkian, quase ninguém tem interesse em disponibilizar verbas para mais aquisições. Exceptue-se também o Plano Nacional de Leitura, para os alunos mais novos, onde é aconselhado a todos na mesma turma a ler o mesmo, à mesma hora.
Mas a resolução vai mais longe ainda, como se não bastasse:
pretende –se adequar os projectos educativos ao objectivo de uma escolaridade de 12 anos para todos. Torna -se necessário promover condições para a criação e consolidação de unidades de gestão que integrem todos os níveis de ensino e que permitam a um aluno completar a escolaridade obrigatória no mesmo agrupamento de escolas.
Nesse sentido, esta resolução estabelece critérios que promovem a existência de agrupamentos verticais, que devem incluir, quando possível, todos os níveis de ensino e que possibilitam a concretização de projectos educativos para um percurso formativo que se inicia na educação pré- escolar e se estende até ao ensino secundário.
Agrupamento enormes, um único agrupamento em concelhos com mais de 1000 km² de extensão, como no Alentejo e noutras regiões, várias escolas, de vários ciclos, juntas.
Há anos que se fala e se escreve sobre autonomia das escolas. De uma penada destrói-se o que se foi fazendo, acaba-se com práticas de escolas que foram criando a sua própria cultura, projectos em curso, experiências de gestão que não chegam ao fim. Escolas secundárias que foram alvo de profundas obras de reestruturação vêem agora entrar meninos do 1º ciclo, o que vai obrigar a novas alterações dos espaços e da gestão dos mesmos.
Será útil misturar crianças de 5, 6 anos com alunos jovens de 17, 18?
Vai-se ainda infantilizar mais os jovens?
Não creio que os objectivos sejam só economicistas. Parece que há uma vontade de controlar tudo, não deixar tempo para os alunos pensarem, lerem com tempo um livro, discutirem entre si, desenvolverem projectos sem ter um adulto em cima, algum sossego para consolidar conhecimentos, sem o ruído constante de múltiplos cartazes, contos da carochinha censurados e infantilizados, computadores com muita cor, movimento e som, como panaceia para a falta de ideias e disfarce de plágios.
Parece a consagração oficial da imagem da “mãe-galinha”, que não deixa o menino autonomizar-se e crescer sabendo, trocando o medo da possível nova experiência do rebento, pelo controle através da brincadeira constante.
No fundo, uma violência! Uma fábrica de pensamento unidimensional, apresentada como a mais moderna, mais divertida e mais integradora.
 

Um comentário:

Anônimo disse...

Lamento ver como está o ensino em Portugal. Queremos ser um país Europeu.. e somos o que somos.Ás vezes sinto tristeza ao ver pessoas de 18 anos com o 12ºano dizerem mais asneiras e escreverem pior que pessoas que têm a quarta classe. E parece que o nosso governo quer ignorantes e felizes licenciados para mostrar números à UE. Escolas e Universidades com ordens para passar alunos é vergonhoso.

Falta regras aos portugueses, o ensino actualmente é a lei do menor esforço e depois querem que Portugal seja um país produtivo com jovens que foram habituados a terem tudo à base da lei do menor esforço.

É triste, mas é o país que temos.

Abraço,
Daniela Parra