A Turquia anda há dezenas de anos a tentar entrar para a CEE/União Europeia. O processo tem sido protelado sucessivamente, até com argumentos pouco claros. Um deles, não assumido coerentemente, mas veiculado permanentemente pela imprensa do poder e mais descaradamente pelos tablóides, é o islamismo e os perigos advenientes desse islamismo.
Confunde-se tudo no mesmo saco e aplica-se a essa noção de islamismo uma conotação negativa que vai do reaccionarismo dos costumes ao terrorismo internacional da Al Qaeda que ninguém sabe bem o que é. Esquecem-se que a lapidação das mulheres, a escravidão dos imigrantes, a decapitação ou corte das mãos dos pequenos ladrões, acontecem sobretudo em países com ditaduras tão retrógradas como a Arábia Saudita com quem se tem excelentes relações comerciais e poucas críticas, apesar de Bin Laden e outros serem sauditas.
A Turquia é um país que tem também tradições europeias. Alguns dos grandes sábios gregos da Antiguidade viviam e produziam filosofia e ciência na Ásia Menor. Os primeiros cristãos, nomeadamente S. Paulo, refundador do cristianismo andava incessantemente pela Ásia Menor. O antigo Império Otomano participou na cena política europeia e era para aí que se dirigiam muitos dos judeus e cristãos novos portugueses fugidos à Inquisição.
A revolução dirigida por Kemal Ataturk nos anos 20 quis modernizar a Turquia. Foi uma ditadura, mas ao contrário da de Salazar, que tinha saudades do século XVIII antes do iluminismo e um medo terrível do mundo industrial, o kemalismo quis tornar a Turquia um país do século XX e acabar com tudo o que o califato mantinha imutável, decadente e conservador. Um dos problemas que se tentou resolver foi o da educação e, em particular, a educação de metade da população, ou seja, as mulheres.
As mulheres na escola, sem véus, não sujeitas aos imãs nem aos pais, tios … vizinhos que as obrigavam a andar anónimas mas guardadas em casa, a cozinhar, obedecer e parir filhos. Tomou-se como modelo a França, aliás como a nossa Primeira República, na separação entre o Estado e a Religião.
Por isso as mulheres turcas não podem usar véus nas escolas nem edifícios públicos.
E agora, vêm as críticas de alguns europeus. Está em causa a liberdade religiosa! As mulheres turcas deveriam poder andar com a cara tapada, como andam muitas mulheres islâmicas em Londres ou outras cidades europeias. Esquecem-se também que muitas mulheres usam o véu porque as obrigam em casa, como as obrigam a casar com quem a família quer, mesmo na Europa, perante a indiferença do estado e dos críticos.
Numa Europa em que a rainha de Inglaterra é também a chefe religiosa da Religião Anglicana, em que o Estado e a Igreja Ortodoxa na Grécia continuam unidos, em países como Portugal ou a Bélgica (a Espanha menos) que têm concordatas que privilegiam a Igreja Católica, é estranho a Turquia ser acusada de ser islâmica (como o foi no referendo esquecido em França sobre a esquecida ou renovada Constituição Europeia, agora Tratado) e, ao mesmo clamar-se pela liberdade dos véus. Esquecem-se até que a própria Igreja Católica aboliu os véus há apenas algumas décadas, porque o véu era um símbolo da submissão da mulher.
Paternalismo e relativismo perigosos!
Ontem em Ancara estiveram mais de cem mil pessoas em manifestação a protestar contra um projecto do governo que prevê a permissão de véus nas escolas!
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