domingo, 8 de maio de 2016

O presidente Sousa e o Acordo Ortográfico.

A visita do presidente da República a Moçambique correu bem, até foi alegre e meteu dança. Nada de mal ou até tudo bem, até para esquecer a má disposição crónica do anterior presidente sectário. Mas o presidente Sousa confundiu algumas posições pessoais e o hábito de comentar tudo com a função de presidente que representa a República Portuguesa e os seus compromissos a propósito do Acordo Ortográfico. Apelou até, numa linguagem dúbia, para que Moçambique e Angola não ratificassem o Acordo Ortográfico, que já aprovaram há longos anos, mas ainda não ratificaram.
Os problemas destes países têm sido, antes de mais os custos e as prioridades, e não qualquer posição purista ou de natureza linguística. Os problemas que têm, desde as guerras passadas e ameaças de recrudescimento, às questões de desenvolvimento, desigualdade, instabilidade, corrupção … são preocupações muito mais importantes do que a normalização de uma escrita de uma língua que muitos ainda não podem usufruir. Sim, e uma das prioridades seria o combate ao analfabetismo e o uso da língua, como fatores de unificação nacional e pressuposto para o desenvolvimento. E também é isso que eles dizem.
Parece estranho mandar recados em discursos oficiais, para cá, em países que são independentes. Suponho que não foi essa a intenção mas não se pode cair no risco de confundir um estado que tem uma dinâmica própria, e é independente, com as emoções de quem lá foi de férias quando era jovem e o pai administrava a colónia. Mas mais ainda, não se pode cair também na tentação de, através do “porreirismo” paternalista, abdicar da posição da chefia e representação do estado português, que fez, como outros em pé de igualdade, acordos internacionais e simular que se mete uma cunha a outro estado para ajudar a polémica em Portugal e tentar reverter o que foi acordado com diferentes estados, sem que alguém lhe tivesse dado mandato para isso.
Continua-se a discutir o Acordo Ortográfico de uma língua que é comum a vários estados e que não é propriedade exclusiva de nenhum, mas património comum. Continua-se deliberadamente a confundir fala com escrita, como se por magia, todas as centenas formas de falar o português se unificassem ou se pervertessem por um acordo.
Mas a discussão já começou há muito tempo, e é pena que muitos só tivesse começado a discutir dezenas de anos depois do acordado e ratificado por vários países. Recordem-se algumas datas para além de outras:
1990 - Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa assinado a 16 de dezembro;
1996 - Ratificação do Acordo Ortográfico de 1990 por Portugal, Brasil e Cabo Verde 
2004 - Celebração do Segundo Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que autoriza a adesão de Timor-Leste e prevê que basta a ratificação por apenas três países para que o Acordo Ortográfico de 1990 entre em vigor
2006 - Ratificação do documento oficial por Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe
2009 - Entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990 a 13 de maio
2010 - Guiné-Bissau ratifica o Acordo Ortográfico, faltando apenas a ratificação de Angola e Moçambique
 2011 - Novo Acordo Ortográfico é introduzido no sistema educativo português no ano letivo de 2011-2012
2012 - Desde o dia 1 janeiro, órgãos, serviços, organismos e entidades governamentais, bem como as publicações oficiais, passam a ter a sua grafia adaptada
Estamos em 2016!

Quem quer reverter tudo, mesmo sem falar e acordar com os que representam outras centenas de milhões que usam a língua portuguesa que também é deles? Querem que todos os que usaram, por obrigação também, voltem a usar a grafia dos anos quarenta (ou a anterior a 1911)? Querem que as crianças e adolescentes “voltem” a escrever de uma forma que nunca usaram?

2 comentários:

ICE disse...

Engraçado que esteja mais preocupado com não sei quantas mil crianças do que com dezenas de milhões de utilizadores da língua por esse mundo fora que foram forçados a mudar a sua forma de escrever. Incluindo jovens que já tinham sido ensinados na ortografia anterior. E como se a grande vantagem das crianças não fosse precisamente a capacidade de adaptação à mudança. Enfim... E essa conversa de a língua ser tão comum parece a conversa de antes do 25 de Abril de um Portugal do Minho a Timor. Haja pachorra para tanta falta de senso.

João F.B.R. Simas disse...

A sua pachorra de anónimo e de engraçado (cito, mas ICE é quem?) de alguém que facilmente acusa e não parece compreender o que é um estado de direito e usa essa demagogia do Minho a Timor, como se a língua portuguesa fosse propriedade de alguns, que na maioria acordaram tarde. Assuma o seu nome e use argumentos. Se quer acusar anonimamente os outros de falta de senso, comece a ler umas coisas sobre educação que os outros também não têm a tal pachorra.