Os "milagres" parecem-nos muito ingénuos ou demasiado simples. Mas eram as coisas que contavam numa vida muito dura. Em 1754 (a fotografia tem reflexos mas dá para ver a inscrição).
Diz o ex-voto em linguagem popular:
Milaguer Q ~fes N.S Do Carmo; a Mel Fri~z Morna ilha Coutos da Villa de Arrayollos Q~ Estando Huma Noite No Campo com huma mulla saia; pastando Co ella O cometeo hum ladam, E lhe Deio. huma Facada na Barrigua; Q~ficou com as tripas na mão; e Foi a Srª SerVida. prndence o lladam com a mulla E le coubro. Sai de Por Feita E Ficou Livre da morte Anno de 1754.
Por outras palavras. Houve um milagre, porque um ladrão roubou uma mula que pastava, a Manuel (...) que estando uma noite no campos nas Ilhas, Couto de Arraiolos um ladrão lhe deu uma facada na barriga, tendo ficado o Manuel com as tripas na mão. E foi a Senhora do Carmo que fez prender o ladrão e lhe cobrou a dívida, isto é a mula e a saúde.
Há vários aspectos interessantes.
1. A importância que tinha uma mula para o dono e o ladrão. A mula" era uma "máquina" importantissima para os trabalhos rurais; Sem a mula, que fazia trabalhos essenciais como alqueivar, lavrar, puxar um carro, etc. estaria em causa a economia do lavrador;
2. A existência de ladrões. No Alentejo, dada a distribuição da propriedade e a hierarquia social, havia sempre gente que não tinha lugar nesta sociedade, nomeadamente os "malteses" que existiam até há pouco tempo;
3. A resolução dos conflitos. A facada como modo de resolução destes;
4. A Senhora do Carmo, centro de romarias de uma larga região. Neste caso, em relação às Ilhas de Arraiolos; o "alvo" do milagre veio à Senhora do Carmo e não a outro lugar. Poderia eventualmente ir à Senhora de Aires ou à Senhora das Brotas, por exemplo;
5. A referência às Ilhas de Arraiolos em 1754. São mais antigas do que normalmente se diz e há que provar se efectivamente foram povoadas por colonos dos Açores, visto que a maioria das colonizações foram posteriores;
6. Estas terras eram coutos da vila, isto é seriam arrendadas temporariamente a famílias de pequenos lavradores.
7. A linguagem popular. Nestes ex-votos escrevia-se como se falava e como se presumia que se devia escrever. Há diferenças em relação à escrita erudita. Por exemplo não se escrevia "por feita" mas perfeita, nem "ladam" mas ladram ou ladrão.
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