Segue-se um texto de Manuel de Severim de Faria sobre os acontecimentos. Repare-se no movimento que ele consegue transmitir sobre a actuação dos "pícaros" e outros que levaram a uma sublevação que esteve na origem da Restauração da Independência de Portugal em 1640.
A revolta era contra os impostos e contra a prepotência. Tudo começou na Praça Grande (a Praça do Giraldo).
AS ALTERAÇÕES DE ÉVORA (1637)
Passou-se ordem para que pusessem em inventário todas as fazendas do Reino, e, sem, se declarar os intentos, se começou a executar meados de Agosto na Cidade de Lisboa pelos Corregedores do Crime da Corte, e nos mais lugares pelos Corregedores das Comarcas.
Surpreendeu e atemorizou S. Majestade de servir dos quintos das fazendas, contadas pelo que valiam. [...] Que se pusesse aos pescadores de Lisboa tributo e embargo que não passassem pela Torre de Belém para baixo sem passaporte da mesma Torre, deixando por ele certa quantia [...].
Sentiram os Pescadores grandemente [...] desistiram uniformemente de pescar [...]
As novas dos motins dos Pescadores chegaram à Cidade de Évora muito acrescentadas, e creram muitos que fora movimento formado do Povo contra a nova diligência de inventariar as fazendas, e como se começavam em Évora [...] os mesteres este ano do povo, [...] foram a casa do Corregedor [...] pedir-lhe parasse na execução [...]. Não lhe deferiu o Corregedor pelas muito apertadas ordens que tinha de S. A. [...]
Passou-se ordem para que pusessem em inventário todas as fazendas do Reino, e, sem, se declarar os intentos, se começou a executar meados de Agosto na Cidade de Lisboa pelos Corregedores do Crime da Corte, e nos mais lugares pelos Corregedores das Comarcas.
Surpreendeu e atemorizou S. Majestade de servir dos quintos das fazendas, contadas pelo que valiam. [...] Que se pusesse aos pescadores de Lisboa tributo e embargo que não passassem pela Torre de Belém para baixo sem passaporte da mesma Torre, deixando por ele certa quantia [...].
Sentiram os Pescadores grandemente [...] desistiram uniformemente de pescar [...]
As novas dos motins dos Pescadores chegaram à Cidade de Évora muito acrescentadas, e creram muitos que fora movimento formado do Povo contra a nova diligência de inventariar as fazendas, e como se começavam em Évora [...] os mesteres este ano do povo, [...] foram a casa do Corregedor [...] pedir-lhe parasse na execução [...]. Não lhe deferiu o Corregedor pelas muito apertadas ordens que tinha de S. A. [...]
Choveram no mesmo instante pedras nas janelas e casas do Corregedor, despedidas dos rapazes e pícaros da Praça, os quais, animados com a assistência do Povo, subiram acima e botaram na Praça, furiosa e confusamente, quanto acharam nas mesmas casas do Corregedor e, fazendo uma fogueira defronte delas, se pôs fogo a tudo.
Escondeu-se o Corregedor em uns entre-solhos. E, sendo pouco depois achado pelos rapazes, passou aos telhados por uma fresta [...] se recolheu desairoso às casas do Cónego [...], que estão paredes meias com as suas. [...]
Continuou a fúria do Povo amotinadamente pela Cidade e entrando em casa de Luís de Vila Lobos, logo na de Manuel de Macedo e de Agostinho de Moura, actuais vereadores, que já estavam escondidos, lançaram tudo o que havia nestas casas pelas janelas à rua, e grande parte se trouxe à fogueira que na Praça ardia. E ainda que estes vereadores não haviam entrado na nova diligência de inventariar as fazendas, tinham o ano passado dado consentimento a um novo tributo de um real por cada canada de vinho, e outro por cada arrátel de carne, que se vendessem pelo miúdo na Cidade, e porque logo então o Povo replicou, e não consentiu nestes novos reais, a que chamavam de água, executou agora nas casas dos ditos vereadores o ódio que desde aquele tempo havia concebido contra eles. E, querendo declarar mais como não consentira nunca aquele tributo do real de água, foi o mesmo Povo ao açougue e fez em rachas as balanças, porque as carnes se arrolavam para este tributo; e correndo às casas dos escrivães, trouxe a queimar na fogueira da Praça todos os livros e papéis que entendeu tocavam ao inventário das fazendas, ao tributo do real de água e também à quarta parte do Cabeção Geral, que o ano passado se havia imposto e em que o Povo do mesmo modo não consentia.
Notou-se que em todos estes acontecimentos não houve ânimo nenhum de se furtar cousa alguma; tudo o que se achou nestas casas ou veio à fogueira da Praça ou saiu em pedaços pelas janelas, e tanto assim que até umas panelas de doces, que estavam em casa do Corregedor, vieram à mesma fogueira, sem haver quem lhes tocasse para outro efeito.
Foi este dia de grandíssima confusão nesta Cidade, e quase do mesmo modo os três ou quatro que se lhe seguiram, porque esta parte vil do Povo, que foi só que se moveu, amotinada em vários troços, andava furiosa de dia e de noite, corria e apedrejava as casas daqueles que nas ocasiões dos tributos se haviam mostrado menos zelosos do bem comum, e, como as justiças não apareciam e os nobres recearam que, se resistissem a este ímpeto, o poderiam acrescentar, acumulando-se de novo nos pícaros e maganos, a outra parte melhor do Povo, que não estava declarada, era tudo horror tudo confusão: o Povo se apelidava o Povo se ouvia e, sem ordem nem concerto, o Povo dispunha e executava. [.1
Seguiu quase todo o Alentejo e o Reino do Algarve, e ainda alguns lugares da Beira, o exemplo de Évora, e sucessivamente se foram levantando com os tributos do real de água e quarta parte do cabeção; e dos lugares maiores só Elvas, Moura e Estremoz ficaram quietos, e os demais foram os movimentos da mesma qualidade que em Evora, mais ou menos segundo a ocasião do ímpeto, prudência das justiças e resistências dos nobres, que em toda a parte se opuseram a estes motins. Lugares houve em que vieram a fogueiras públicas os cartórios civis e crimes dos escrivães, em que não havia nada que pertencesse nem a tributos nem a inventários das fazendas.
Manuel Severim de Faria,«Relação do que sucedeu em Portugal, e nas mais províncias do Ocidente desde 1637 até Março de l638», in Alterações de Évora, int. e notas de Joel Serrão, Portugália, Lisboa, 1967, pp. 137-142.
Um comentário:
Pois que talvez a história se repita
bento
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