segunda-feira, 6 de junho de 2011

O POVO E A RALÉ


 De Hannah Arendt um texto que vale a pena reler

4. O POVO E A RALÉ

Se o erro comum dos nossos tempos é imaginar que a propaganda pode conseguir tudo e que um homem pode ser persuadido a fazer qualquer coisa, contanto que a persuasão seja suficientemente forte e atraente, era crença comum naquela época que a "voz do povo era a voz de Deus", e que a tarefa de um líder era, como disse Clemenceau com tanto desdém, seguir essa voz com esperteza. As duas atitudes derivam do mesmo erro fundamental de considerar-se a ralé idêntica do povo, e não uma caricatura dele.
A ralé é fundamentalmente um grupo no qual são representados resíduos de todas as classes. É isso que torna tão fácil confundir a ralé com o povo, o qual também compreende todas as camadas sociais. Enquanto o povo, em todas as grandes revoluções, luta por um sistema realmente representativo, a ralé brada sempre pelo "homem forte", pelo "grande líder". Porque a ralé odeia a sociedade da qual é excluída, e odeia o Parlamento onde não é representada. Os plebiscitos, portanto, com os quais os líderes modernos da ralé têm obtido resultados tão excelentes, correspondem à táctica de políticos que se estribam na ralé. Um dos mais inteligentes líderes dos adversários de Dreyfus, Déroulède, clamava por uma "República através do plebiscito".
A alta sociedade e os políticos da Terceira República haviam apresentado à ralé francesa uma série de escândalos e fraudes públicas. Invadia-os agora um tenro sentimento de familiaridade paterna por seu rebento, um sentimento misto de admiração e medo. O menos que a sociedade podia fazer pela sua sua filha era protegê-la com palavras. 

Arendt, H. (2006). As origens do totalitarismo. Lisboa: D. Quixote.

Nota: por uma questão de facilidade o texto é um misto de uma edição brasileira com uma portuguesa

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