sexta-feira, 9 de outubro de 2009

A Madrugada

25 DE ABRIL

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen

As palavras de Sophia ecoam, são o afloramento de muitas emoções, de muita gente que pensou nunca alcançar a dignidade de cidadão, de ter projectos individuais e colectivos, sonhar e construir um mundo melhor.
Volto a Arraiolos que conheci bem nesse tempo, andava eu no final do liceu, quando despertou o 25 de Abril e a minha consciência deu um sobressalto longo, ao ver e participar numa realidade em convulsão.
Estávamos em crise económica profunda, o tal primeiro choque petrolífero de 73, um país a sair de uma ditadura profunda, com três frentes de guerras coloniais, uma debandada generalizada para França e outros países, uma nação que se envergonhava em surdina da pobreza extrema neste canto da Europa.
Não havia dinheiro, e o que havia dos patriotas do dia anterior, escapava-se para a Suíça ou Brasil. As câmaras municipais nem um automóvel tinham, e quando era preciso ir a Lisboa falar com alguém do governo provisório, onde se entrava sem empresas de segurança, lá se ia de táxi, num país que ainda só tinha uma auto-estrada de Lisboa a Vila Franca. O presidente da câmara, da comissão administrativa, não tinha qualquer vencimento. No caso de Arraiolos tinha sido escolhido o Dr. Gil Batata Neto, que foi também o primeiro presidente da câmara eleito, mas que teve depois que optar, por ser magistrado.
Retiremos um pouco a emoção das vivências e atentemos novamente em extractos das actas da câmara a seguir ao 25 de Abril, onde abundam os exemplos de participação:




[...] o senhor presidente expôs, a seu ver, qual a melhor forma de actuação tendo a Comissão deliberado, por unanimidade, adoptar o procedimento tipo colegial , baseado em trabalho de grupo, através do qual as deliberações, decisões e responsabilidades a todos pertençam, igualmente, e resolveram ainda que para esse trabalho de grupo que se pretende aberto, livre, isento e responsável, é necessário a colaboração e apoio de todos os organismos e pessoas do concelho, cujas sugestões e críticas se procurarão, inclusivamente, através de reuniões num programa a estabelecer nas várias freguesias.[1]

[...] o senhor presidente referiu que no passado sábado dia dois de Agosto se deslocara a Lisboa juntamente com o chefe da secretaria para fazer a entrega das propostas abertas em sessão de 31 de Junho último e verificar o estado em que se encontram as diligências e apreciação do processo de construção da escola do ciclo preparatório.[2]

Referiu ainda o senhor Presidente a necessidade urgente da criação das mesmas comissões de moradores em todas as freguesias do concelho, e que as mesmas devem existir não em nome tão simplesmente, mas constituírem núcleos verdadeiramente assistidos de espírito de criatividade, actividade ininterrupta e capazes de lutar pelas necessidades e anseios das suas populações e que só assim as poderá conceber integradas no processo democrático revolucionário em que estamos incluídos. Sobre o assunto alegou ainda o Sr. Presidente que quanto mais válidos forem os elementos das mesmas comissões eleitas pelas populações, melhor estarão resolucionadas as suas aspirações, quer resolvendo sós os seus problemas quer recorrendo à Junta de Freguesia e Câmara Municipal quando a natureza dos mesmos o justifica.[3]

[... ] deu ainda conhecimento de que o povo de Santana do Campo correspondendo ao apelo do primeiro ministro Brigadeiro Vasco Gonçalves trabalhou na sua totalidade no passado Domingo, dia seis, tendo procedido na sua totalidade à limpeza de todas as ruas da povoação, caiaram a escola, a fonte, o lavadouro público e a Igreja locais quotizando-se entre os seus elementos para a compra dos materiais necessários para estes serviços, como cal, tinta, pincéis etc., e, por outro lado, todos os que trabalharam em ocupações remuneradas têm estado a entregar o produto desse trabalho ao Governo da Nação para a reconstrução nacional [... ] [4]

«[...] reparação de ruas em Santana do Campo para o que a população contribuirá graciosamente com os terrenos e até árvores que seja necessário derrubar, prescindindo de quaisquer indemnizações devidas por esta obra, solicitando apenas que a Câmara Municipal forneça os materiais necessários [através da Comissão de Moradores] »[5].

[1]Livro de Actas da Câmara Municipal de Arraiolos, Acta de 22-07-1974.
[2] Livro de Actas da Câmara Municipal de Arraiolos, Acta de 05-08-1975
[3]Livro de Actas da Câmara Municipal de Arraiolos, Acta de 03-06-1975
[4] Livro de Actas da Câmara Municipal de Arraiolos, Acta de 15-10-1974
[5] Livro de Actas da CMA, 09/03/1978

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