Um tema, uma questão leva a outra e assim sucessivamente.
Vem isto a propósito de certa falta de assuntos que têm vindo à imprensa e à blogosfera.
Para mim, o caso Maitê Proença seria irrelevante, não fosse esta mania de muitos portugueses de passarem o tempo a dizer mal do país e escandalizarem-se quando alguém “de fora” (será que Maitê é mesmo de fora?) faz o mesmo ou diz o mesmo. Quase de admirar é também o “portuguesismo” de muitos brasileiros, que vivem entre a anedota do “Manuel” e a secreta admiração pela Europa, onde afinal Portugal também está, e algum orgulho na ascendência portuguesa.
Outro escândalo foi o de Saramago sobre a Bíblia, que leva até um deputado Europeu do PSD a pedir que ele renunciasse à nacionalidade portuguesa. Deveria pelo menos saber que desde 1910 que não há nenhuma religião oficial em Portugal. Mas Saramago também se lembra (e nós) que houve um secretário de estado da Cultura, num governo de Cavaco Silva que o pôs no “Índex” por ter falado dos Evangelhos, como se vivêssemos no tempo da Inquisição, o que o levou a fartar-se disto e a ir para Espanha, aliás numa tradição bem portuguesa, em que os “castiços” acham sempre que os outros devem ser “malhados” ou, pelo menos, exilados. Já assim era no tempo de D. João III ou de d. Miguel.
A opinião de Saramago é apenas uma opinião sem grande reflexão, uma pequena provocação, que não mereceria grandes conversas. E qual é o mal de haver pequenas provocações? Vivemos em algum estado teocrático? Disse Saramago o mesmo que poderia ter dito qualquer anticlerical no tempo da República e até antes ou depois. O prémio Nobel e o facto de ser um bom escritor não lhe dá competências de teólogo ou exegeta. É o mesmo (no caso pior) quando um conhecido professor de direito da Universidade de Coimbra fala sobre o ensino, sem perceber do que se trata ou quando um cirurgião dá opinião sobre o TGV, só porque calhou em conversa.
E não sendo eu exegeta nem teólogo resolvi dar mais uma espreitadela pela Bíblia. Diria antes Bíblias, porque há tantas traduções, tantas interpretações, livros canónicos para uns, desprezados ou ignorados por outros. Depois há leituras alegóricas e outras literais. Há o Velho Testamento, que não é bem igual ao dos judeus e até o Alcorão, que no fundo é uma Bíblia baseada nas outras.
E, nestes exercícios, consultei uma tradução do livro que mais edições teve em português ao longo dos séculos, ultrapassando qualquer grupo de escritores reunidos: a Bíblia d’Almeida.
João Ferreira d’Almeida, português do século XVII, fugiu para os Países Baixos protestantes (conhecidos vulgarmente por Holanda), foi, como tantos portugueses exilados, para as colónias das companhias holandesas e, a partir de Batávia (actual Indonésia), fez uma tradução da Bíblia, várias vezes modificada por outros nas inúmeras edições.
Não conheço a edição princeps, parece-me até que nem é conhecida, apenas encontrei uma, acessível inteira no Google, editada em Nova Iorque em 1848.
Ressalvando as modificações a linguagem é interessantíssima, pois está num português clássico mas já com algum sabor arcaico, embora certas palavras tenham ainda o mesmo significado no português do Brasil.
Questionei-me sobre a qualidade da tradução, questão nada fácil, porque as traduções em línguas vulgares, foram a diversas fontes, a traduções do Latim, do Grego, do Hebraico, de acordo também com a tradição aprovada por cada Igreja. Os próprios Evangelhos foram escolhidos entre muitos, escritos também alguns muito tempo após a morte de Jesus. E, no caso da Igreja Católica, a tradição é extremamente importante. Por isso, durante séculos, sobretudo a partir do concílio de Trento (século XVI), para se ler a Bíblia só com autorização da Igreja e em Latim. Ao contrário dos protestantes que a liam nas línguas nacionais e, por isso, só um protestante a poderia ter traduzido para Português.
Se estas questões são quase irresolúveis, a quem haveria de perguntar?
Pensei em alguém que conhecesse Teologia e que não fosse um prosélito ou um propagandista dogmático.Mas os teólogos também estão comprometidos. Lembrei-me então de um livro de Régis Debray, filósofo, que em tempos escreveu sobre Che Guevara e hoje se dedica a estudos sobre religiões, em que diz que alguns dos intelectuais mais honestos nestas matérias são teólogos, entre os quais os da Companhia de Jesus. Além disso, dentro da Igreja Católica os Jesuítas são, em geral, as pessoas com maior formação intelectual, muitos deles com mais que uma licenciatura e doutoramento.
Procurei um “site” da Companhia em Portugal e fiz perguntas. Recebi resposta, com alguma humildade perante a complexidade (o que só demonstra conhecimento) e com referências sobre onde poderia encontrar melhor resposta.
E vi uma referência importante, que um dia talvez leia, de Frei Herculano Alves, que fez um doutoramento agora publicado, sobre a Bíblia de João Ferreira d’Almeida.
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