Já aqui referi que pouco me interessa a relação entre um título académico e a ascensão social, a não ser do ponto de vista de uma análise da sociedade. Um dos problemas do nosso desenvolvimento tem sido até esse. Durante demasiado tempo entregavam-se grandes e pequenos poderes a indivíduos licenciados em Direito, apenas porque o eram e não porque tivessem formação em gestão ou áreas específicas; assim como engenheiros dirigiam empresas em vez de se dedicarem a funções técnicas e por aí adiante. Ainda hoje há quem pense que por alguém ter um determinado título académico pode dar opinião sobre tudo, como se houvesse especialistas em geral.
Surge este artigo a propósito de uma petição sobre a equiparação dos antigos licenciados a mestres. Há aqui algumas confusões e algumas omissões, omissões essas de que geralmente não se fala, com receio de ofender o vizinho, guardando-se os ressentimentos para pequenos círculos ou as desconfianças e os mal-estares também.
Não se trata aqui de prosápia nem de piadas sobre quais os melhores cursos e os defeitos dos outros. Mas vejamos exemplos:
- Antigamente havia os chamados cursos médios: regentes agrícolas, professores primários, enfermeiros. Geralmente ingressava-se nestes com o antigo 5º ano do liceu e faziam-se mais dois anos. Muitos dos que se formaram assim foram promovidos administrativamente a bacharéis. Ora o conceito de bacharel era diferente, implicava uma formação na universidade.
- Normalmente os cursos superiores (das universidades) tinham dois graus: o bacharelato (três anos) e a licenciatura (mais dois), com a excepção de Medicina (mais um ano) e em tempos arquitectura. Uma licenciatura eram cinco anos e antes do 25 de Abril fazia-se uma tese.
- Quem quisesse integrar-se no ensino como profissional fazia um estágio de mais dois anos (cinco de licenciatura mais dois de estágio e cadeiras pedagógicas ou ciências de educação).
- Entretanto começaram a surgir cursos via ensino, primeiro nas faculdades de ciências e depois em novas universidades (curso de cinco anos, com estágio integrado).
- Com a reforma do Cardia a maior parte das licenciaturas passaram para 4 anos. Os que não estavam nos cursos via ensino faziam o estágio à parte.
- Vai-se dando uma autêntica explosão do ensino superior com a proliferação de universidades públicas, e sobretudo universidades privadas e a diversidade torna-se cada vez maior.
- Os institutos politécnicos, que inicialmente tinham outros fins, foram conferindo primeiro o grau de bacharel e depois licenciado. As ESEs, que no início formavam professores de 1º ciclo entraram em concorrência directa com as universidades. Foram ainda criados outros cursos, mais ou menos rápidos, que conferiam o grau de licenciatura a quem tinha bacharelato ou equivalente.
- Os mestrados, quando surgiram, implicavam teses inovadoras e trabalhosas que levavam a que as pessoas geralmente ultrapassassem os quatro anos. Depois houve alguma redução mas o rigor continuava, de tal maneira que a maior parte desistiam sem fazer a dissertação. Doutoramentos eram para poucos.
Hoje, com o processo de Bolonha uma licenciatura geralmente é de três anos e com mais dois anos obtém-se o grau de mestre, com ou sem dissertação, conforme os cursos.
A confusão e a trapalhada instalaram-se, mas não foi só agora. Resolver o problema como? Também não sei, como também não percebo bem porque é que não se quis continuar a chamar bacharelato a cursos de três anos. Ou antes, no entender de alguns, bacharelato seria uma designação menor, com menos prestígio. Deve ser esse o motivo já que se foi fazendo o possível para “gastar” o termo. Como se faz agora com as licenciaturas. Basta ver que, segundo o “espírito de Bolonha”, o estudante com uma licenciatura deveria estar preparado para ingressar no mundo do trabalho. Em Portugal na maior parte dos casos não é assim: transformou-se a licenciatura numa etapa.
Promover administrativamente todos os licenciados a mestres, quando já as licenciaturas não eram iguais? E depois, os que já eram mestres passam a doutorados e os antigos doutorados passam a quê? Inventamos outra designação? E depois quem reconhece o quê?
Já não vivemos neste Portugal autocrático e pequenino em que uma minoria estudava e tinha lugar certo. Quem tira um curso deveria poder estar preparado para o mercado de trabalho, pelo menos europeu. É também esse o “espírito de Bolonha”. Se nos preocuparmos apenas com títulos académicos, sucessivamente desvalorizados, qualquer dia ninguém lhes liga.
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