Passei pelas Galveias há dias. E eis que vejo uma placa com o nome de uma rua: Joaquim Barradas de Carvalho. Foi meu professor na Faculdade de Letras.
Ele e outros colegas da Faculdade de Letras (Mário Soares ...), enquanto estudantes, foram perseguidos pelo regime e continuaram a militar. Esteve exilado em França, onde fez doutoramento de Estado, foi professor na Universidade de S. Paulo, tendo entrado no Brasil com passaporte francês, sendo um dos professores mais reconhecidos. Barradas de Carvalho era de uma família de grandes proprietários alentejanos mas ofereceu as propriedades herdadas a uma cooperativa no tempo da Reforma Agrária, coerente até ao fim com as suas ideias.
Encontrei este artigo de um professor da Universidade de S. Paulo (talvez a melhor da América do Sul em Ciências Sociais). Um extracto do texto "Grandes Mestres", de Carlos Guilherme Mota:
Foi um intelectual que nos ensinou a pesquisa à lupa, o rigor da escrita, os clássicos. Foi no Brasil, em compensação, que se revelou excelente professor: antes, jamais lecionara. Por seu intermédio, conhecemos, enquanto História viva, as idéias de Jaime Cortesão, de Magalhães Godinho, de Antônio Sérgio, de tantos outros geniais escritores e pensadores portugueses. E entramos em contato com a crítica — gentil e informada — aos estudos de Ameal e de outros menos apreciáveis, que faziam parte de nosso ingênuo currículo universitário.
Espírito anti-acadêmico, anti-ortodoxo, filho de família tradicional alentejana, descendente do Conde das Galvêas e de Camões, Barradas soube cultivar como ninguém a crítica, temperada sempre pela amizade e empenhada cordialidade, que estendia até mesmo a eventuais oponenetes políticos. Só uma coisa o aborrecia efetivamente: o reacionarismo de alguns de seus compatriotas, cujo comportamento retrógrado empurrou Portugal para o atraso e a melancolia. Daí ter encontrado na vida agitada de São Paulo um clima intelectual e político em que pôde desenvolver suas potencialidades. Tornou-se um paulistano da melhor qualidade: pensava mesmo que se um dia se articulasse um Bloco Luso-Afro-Brasileiro, a capital deveria ser São Paulo... Após a Revolução dos Cravos, o Jornal do Brasil dedicou dois ou três editoriais à utopia barradeana.
[...]Joaquim formou-se em História e Filosofia em 1946 pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, já revelando a vocação para o campo no qual desenvolveria seus trabalhos: a História das Idéias e, mais precisamente, a História das Mentalidades — que era então uma disciplina menor da História, pouco cultivada e desimportante (segundo parecia). Seu primeiro trabalho foi uma dissertação para aquela Faculdade: Idéias Políticas e Sociais de Alexandre Herculano (1949), no mesmo ano em que veio à estampa outro grande trabalho de outro notável português de sua geração, Antônio José Saraiva, sobre o mesmo Herculano.
Seus estudos e pesquisas prosseguem depois em Paris, onde se doutorou em Estudos Ibéricos pela Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade de Paris, Sorbonne, em 1961. Tema de sua tese: Esmeraldo de Situ Orbis, de Duarte Pacheco Pereira. Nesse período, convive intensamente com a escola historiográfica dos Annales, o principal grupo de Historiadores europeus capitaneados por Lucien Febvre, Marc Bloch (morto na guerra pelos nazistas) e por Fernand Braudel, sucessor de Febvre e Bloch. Braudel dedicou a Barradas grande estima e a Portugal grande atenção por causa de Magalhães Godinho, Frederic Mauro e Barradas. Joaquim Barradas foi um discípulo de Braudel (e de Febvre, fundador da História das Mentalidades na França, em memória de quem dedicou seu último livro) e soube combinar o que de melhor havia naquela escola de pensamento com o que de melhor se fazia em termos de pensamento marxista. Excelente mistura, que bateu em cheio na Universidade de São Paulo nos meados dos anos 60, quando intelectuais como Florestan Fernandes, Antônio Cândido, Fernando Henrique Cardoso, Otávio Ianni e inúmeros mais — não nos esqueçamos de Sérgio Buarque, Caio Prado Júnior, Cruz Costa e Fernando de Azevedo, da geração antecedente — marcavam o horizonte intelectual e político, desenhando um outro Brasil.
Espírito anti-acadêmico, anti-ortodoxo, filho de família tradicional alentejana, descendente do Conde das Galvêas e de Camões, Barradas soube cultivar como ninguém a crítica, temperada sempre pela amizade e empenhada cordialidade, que estendia até mesmo a eventuais oponenetes políticos. Só uma coisa o aborrecia efetivamente: o reacionarismo de alguns de seus compatriotas, cujo comportamento retrógrado empurrou Portugal para o atraso e a melancolia. Daí ter encontrado na vida agitada de São Paulo um clima intelectual e político em que pôde desenvolver suas potencialidades. Tornou-se um paulistano da melhor qualidade: pensava mesmo que se um dia se articulasse um Bloco Luso-Afro-Brasileiro, a capital deveria ser São Paulo... Após a Revolução dos Cravos, o Jornal do Brasil dedicou dois ou três editoriais à utopia barradeana.
[...]Joaquim formou-se em História e Filosofia em 1946 pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, já revelando a vocação para o campo no qual desenvolveria seus trabalhos: a História das Idéias e, mais precisamente, a História das Mentalidades — que era então uma disciplina menor da História, pouco cultivada e desimportante (segundo parecia). Seu primeiro trabalho foi uma dissertação para aquela Faculdade: Idéias Políticas e Sociais de Alexandre Herculano (1949), no mesmo ano em que veio à estampa outro grande trabalho de outro notável português de sua geração, Antônio José Saraiva, sobre o mesmo Herculano.
Seus estudos e pesquisas prosseguem depois em Paris, onde se doutorou em Estudos Ibéricos pela Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade de Paris, Sorbonne, em 1961. Tema de sua tese: Esmeraldo de Situ Orbis, de Duarte Pacheco Pereira. Nesse período, convive intensamente com a escola historiográfica dos Annales, o principal grupo de Historiadores europeus capitaneados por Lucien Febvre, Marc Bloch (morto na guerra pelos nazistas) e por Fernand Braudel, sucessor de Febvre e Bloch. Braudel dedicou a Barradas grande estima e a Portugal grande atenção por causa de Magalhães Godinho, Frederic Mauro e Barradas. Joaquim Barradas foi um discípulo de Braudel (e de Febvre, fundador da História das Mentalidades na França, em memória de quem dedicou seu último livro) e soube combinar o que de melhor havia naquela escola de pensamento com o que de melhor se fazia em termos de pensamento marxista. Excelente mistura, que bateu em cheio na Universidade de São Paulo nos meados dos anos 60, quando intelectuais como Florestan Fernandes, Antônio Cândido, Fernando Henrique Cardoso, Otávio Ianni e inúmeros mais — não nos esqueçamos de Sérgio Buarque, Caio Prado Júnior, Cruz Costa e Fernando de Azevedo, da geração antecedente — marcavam o horizonte intelectual e político, desenhando um outro Brasil.
[...] Barradas de Carvalho retornou a Paris em 1970, apresentando à Escola de Altos Estudos da Universidade de Paris o ensaio La traduction espagnole du Situ Orbis, de Pomponius Mela par Maître Jean F aras et les notes marginales de Duarte Pacheco Pereira. Em 1975, recebeu a mention très honorable e les félicitations du jury com sua tese de Estado, a mais importante da carreira universitária, recebida com grande impacto, dada sua erudição e importância. Seu título (um dos mais longos da bibliografia mundial...): A la recherche de Ia spécificité de la Renaissance portu-gaise - L ´Esmeraldo de Situ Orbis, de Duarte Pacheco Pereira, et la literature portugaise de voyage à l 'époque des grandes découvertes. Contribution à l ´étude des origines de la pensée moderne. Foi muito bem recebida por uma comissão de alto nível, presidida pelo Historiador Pierre Chaunu que aliás, fez o emocionado e agudo prefácio, com Fernand Braudel — Chaunu registra no prefácio da publicação dessa obra jamais ter ocorrido, em sua longa experiência com teses, uma sessão tão emocionante no tradicional Anfiteatro Liard, na Praça da Sorbonne. Sua edição, em dois volumes, pelo escritório de Paris da Fundação Calouste Gulbenkian, foi providenciada pelos vigilantes Historiadores, escritores e amigos Joel Serrão e José Blanco.
Nota: Carlos Guilherme Mota é Historiador, professor de História Contemporânea da USP, diretor-fundador do Instituto de Estudos Avançados da USP, criador da Cátedra Jaime Cortesão no mesmo Instituto e autor de vários livros, entre os quais Atitudes de Inovação no Brasil (1789-1801), Nordeste 1817 e Ideologia da Cultura Brasileira.
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