Ultimamente tenho visto comentários, não só a propósito das últimas eleições, sobre o Alentejo que é muito bonito, tem um grande património construído, paisagens ainda não desfiguradas, ambiente onde ainda se vê bicharada, sobreiros, azinheiras, oliveiras, searas com abetardas, javalis e raposas e lebres, o Guadiana, pátios e paredes caiadas lembrando o tempo dos mouros e as lendas das mouras encantadas.
Só é pena o povo votar à esquerda! E aí os alentejanos são considerados atrasados e precisariam de umas instruções iluminadas para não votarem em ideologias fora de prazo, como se as recomendadas não cheirassem ao bafio do liberalismo do sec. XIX.
Esquecem estes que paisagem, património, ambiente … não foi feito sem este povo que cá está e que também abalou, com as suas contradições e lutas, desgraças e alegrias, que esta cultura é como a açorda alentejana, com origens romanas e árabes mas onde se distinguem as fatias de pão da simbiose do caldo com poejos ou coentros, azeite e alhos, pimentos também, e com ovo ou bacalhau conforme o gosto e as posses.
Este Alentejo não é apenas o da fotografia de passagem, do Sol apreciado por momentos, porque se passarem as horas queima, como queimam as geadas, como à seca se seguem inundações. Este Alentejo tem histórias que se podem contar com tempo! E recorde-se Manuel da Fonseca ou outros que fizeram do Alentejo parte do seu ser como Miguel Torga, José Régio e tantos.
Admiramos os vestígios árabes. Mas os “árabes”, que afinal a maior parte eram de cá, começaram a ser expulsos e os judeus daqui e de outros lugares foram também assados pela Inquisição. Como os escravos chins, jaus, mouros, negros que aqui se fundiram com outros de desvairadas partes.
O povo é, a democracia, sempre em conquista, permitiu-lhe o Ser tantas vezes e tanto tempo freado. Tirem fotografias, apreciem o que é bom, mas não se esqueçam do movimento das ondas e das correntes, mesmo que sejam apenas das searas e das estevas ou dessas ribeiras que ressuscitam sem aviso.
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