terça-feira, 23 de junho de 2009
quarta-feira, 17 de junho de 2009
Alentejo, CDU e Bloco de Esquerda
Ultimamente tenho visto comentários, não só a propósito das últimas eleições, sobre o Alentejo que é muito bonito, tem um grande património construído, paisagens ainda não desfiguradas, ambiente onde ainda se vê bicharada, sobreiros, azinheiras, oliveiras, searas com abetardas, javalis e raposas e lebres, o Guadiana, pátios e paredes caiadas lembrando o tempo dos mouros e as lendas das mouras encantadas.
Só é pena o povo votar à esquerda! E aí os alentejanos são considerados atrasados e precisariam de umas instruções iluminadas para não votarem em ideologias fora de prazo, como se as recomendadas não cheirassem ao bafio do liberalismo do sec. XIX.
Esquecem estes que paisagem, património, ambiente … não foi feito sem este povo que cá está e que também abalou, com as suas contradições e lutas, desgraças e alegrias, que esta cultura é como a açorda alentejana, com origens romanas e árabes mas onde se distinguem as fatias de pão da simbiose do caldo com poejos ou coentros, azeite e alhos, pimentos também, e com ovo ou bacalhau conforme o gosto e as posses.
Este Alentejo não é apenas o da fotografia de passagem, do Sol apreciado por momentos, porque se passarem as horas queima, como queimam as geadas, como à seca se seguem inundações. Este Alentejo tem histórias que se podem contar com tempo! E recorde-se Manuel da Fonseca ou outros que fizeram do Alentejo parte do seu ser como Miguel Torga, José Régio e tantos.
Admiramos os vestígios árabes. Mas os “árabes”, que afinal a maior parte eram de cá, começaram a ser expulsos e os judeus daqui e de outros lugares foram também assados pela Inquisição. Como os escravos chins, jaus, mouros, negros que aqui se fundiram com outros de desvairadas partes.
O povo é, a democracia, sempre em conquista, permitiu-lhe o Ser tantas vezes e tanto tempo freado. Tirem fotografias, apreciem o que é bom, mas não se esqueçam do movimento das ondas e das correntes, mesmo que sejam apenas das searas e das estevas ou dessas ribeiras que ressuscitam sem aviso.
terça-feira, 16 de junho de 2009
Eleições para o Parlamento Europeu
Agora que toda a gente disse quase tudo vou talvez repetir alguma coisa.
Surpresa estas eleições? Parcialmente sim. Supunha que o PS desceria, mas não tão estrondosamente. O resto não é de grande admiração.
Comecemos pelo Parlamento Europeu. Não é propriamente um parlamento, visto que o poder legislativo é controlado pelos governos. E as pessoas nem percebem muito bem para que serve. Para mais, tudo o que é importante, desde a adesão dos países, à PAC, as directivas, tudo tem sido decidido por negociações e por uma burocracia distante dos cidadãos. Nos tratados, na pretensa ou pretendida constituição europeia importam mais o liberalismo económico do que os direitos cívicos, políticos, sociais ou culturais. Países e culturas com histórias diferentes, até com tradições coloniais diferentes, com opções estratégicas diferenciadas e opostas. Veja-se a atitude seguidista do Reino Unido e da Polónia face à invasão do Iraque, diferente da França, ou o reconhecimento da independência da República (mafiosa) do Kosovo, em contradição com as leis internacionais, da ONU que tanto dizem prezar, excepto nestes casos ou em relação a Israel.
O PS há muito que meteu o socialismo na gaveta. O que é que distingue a prática do PS da do PSD, a não ser o estilo? O governo mandou apertar o cinto para cobrir o deficit. Vieram os escândalos do BPN, do BPP e outros e agora esbanja-se o dinheiro dos contribuintes para pagar a especuladores. Desde há muito que saem ministros do governo e vão para a Portucel, para a Mota Engil, para o BPN, para grandes empresas ibéricas da comunicação e da energia. Saem do PSD, saem do PS, despudoradamente voltam a regressar a cargos de estado.
Os deputados são escolhidos por estes partidos e, em última análise, nestes partidos do centro, deputados e ministros são escolhidos por este centrismo de conluio entre empresas que dependem do estado e de um estado dominado por estas. Bem podem os eleitores querer votar em determinado deputado que logo estes partidos baralham tudo, metendo uns aqui outros ali, ficando no fim alguns que ninguém conhece, nem reconhece. E, se refiro estes dois partidos, devo acrescentar também o CDS que também ora faz alianças e negócios com um ora com outro.
Não admira o PSD ter subido. Afinal as pessoas pouco distinguem PS e PSD e este está agora fora do governo, mesmo que tenha estado calado tanto tempo em matérias importantes, até porque gostava de ter feito o mesmo. A memória também é curta!
O caso do Bloco de Esquerda pode ser um fenómeno conjuntural. Digo pode, porque houve muitos eleitores do PS que votaram nele, mas pode consolidar algum eleitorado. A CDU, contra as previsões (e o que há mais é gente arrogante a dar palpites) também subiu.
O governo, ao longo destes anos resolveu teimar num estilo arrogante e com tiques autoritários, mas sem competência para resolver os problemas do país. Veja-se o que se tem passado com a Educação: congelaram-se carreiras, contra as expectativas, com má-fé até, mudou-se a gestão das escolas para um modelo mais autoritário, burocratizou-se a avaliação, tentou-se controlar as consciências e as práticas até à intimidade, facilitou-se demagogicamente a passagem dos alunos, fez-se cair numa campanha de maledicência as culpas dos problemas do ensino sobre os professores. E não se resolveram os problemas; agravaram-se com a teimosia e falta de competência do ministério.
Pode ter-se a certeza que a questão dos professores teve peso nestas eleições. Não são só os 150000 professores, são as famílias, os amigos. E é bom não esquecer que os professores, que têm formação superior, ainda têm algum prestígio que a sociedade lhes reconhece, tendo a população mais confiança neles do que em muitas profissões.
Ainda as Galveias
A freguesia das Galveias é considerada uma das mais ricas do país. Recebeu uma herança da família Marques Ratão com propriedades, herdades e prédios urbanos, nos concelhos da Ponte de Sor, Avis, Estremoz, Borba, Crato, Monforte, Lisboa ...
Quando era pequeno ouvia falar da lenda do Marques Ratão. Ia à feira de Sousel quase como um pobretana, trazia a merenda de casa para não gastar mais. A feira de S. Miguel era famosa e ainda me lembro da enorme feira do gado, com centenas e centenas de mulas e machos, cavalos, ovelhas ... Era um dos sítios onde se faziam negócios nos tempos em que a agricultura no Alentejo dava para fazer grandes fortunas e misérias para a maioria. Dizia-se que Marques Ratão emprestava dinheiro a juros a grandes proprietários que gastavam o dinheiro a seu belo prazer em Lisboa e em Espanha. Não sei se seria só lenda.
A Junta de Freguesia administra essa herança. A CDU ganha aí as eleições.
Galveias tem um conjunto de equipamentos sociais dignos de inveja neste pobre interior de Portugal.
Perguntas: O que é urbano e o que é rural? O que é participação cívica?
segunda-feira, 15 de junho de 2009
Uma justa homenagem
Passei pelas Galveias há dias. E eis que vejo uma placa com o nome de uma rua: Joaquim Barradas de Carvalho. Foi meu professor na Faculdade de Letras.
Ele e outros colegas da Faculdade de Letras (Mário Soares ...), enquanto estudantes, foram perseguidos pelo regime e continuaram a militar. Esteve exilado em França, onde fez doutoramento de Estado, foi professor na Universidade de S. Paulo, tendo entrado no Brasil com passaporte francês, sendo um dos professores mais reconhecidos. Barradas de Carvalho era de uma família de grandes proprietários alentejanos mas ofereceu as propriedades herdadas a uma cooperativa no tempo da Reforma Agrária, coerente até ao fim com as suas ideias.
Encontrei este artigo de um professor da Universidade de S. Paulo (talvez a melhor da América do Sul em Ciências Sociais). Um extracto do texto "Grandes Mestres", de Carlos Guilherme Mota:
Foi um intelectual que nos ensinou a pesquisa à lupa, o rigor da escrita, os clássicos. Foi no Brasil, em compensação, que se revelou excelente professor: antes, jamais lecionara. Por seu intermédio, conhecemos, enquanto História viva, as idéias de Jaime Cortesão, de Magalhães Godinho, de Antônio Sérgio, de tantos outros geniais escritores e pensadores portugueses. E entramos em contato com a crítica — gentil e informada — aos estudos de Ameal e de outros menos apreciáveis, que faziam parte de nosso ingênuo currículo universitário.
Espírito anti-acadêmico, anti-ortodoxo, filho de família tradicional alentejana, descendente do Conde das Galvêas e de Camões, Barradas soube cultivar como ninguém a crítica, temperada sempre pela amizade e empenhada cordialidade, que estendia até mesmo a eventuais oponenetes políticos. Só uma coisa o aborrecia efetivamente: o reacionarismo de alguns de seus compatriotas, cujo comportamento retrógrado empurrou Portugal para o atraso e a melancolia. Daí ter encontrado na vida agitada de São Paulo um clima intelectual e político em que pôde desenvolver suas potencialidades. Tornou-se um paulistano da melhor qualidade: pensava mesmo que se um dia se articulasse um Bloco Luso-Afro-Brasileiro, a capital deveria ser São Paulo... Após a Revolução dos Cravos, o Jornal do Brasil dedicou dois ou três editoriais à utopia barradeana.
[...]Joaquim formou-se em História e Filosofia em 1946 pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, já revelando a vocação para o campo no qual desenvolveria seus trabalhos: a História das Idéias e, mais precisamente, a História das Mentalidades — que era então uma disciplina menor da História, pouco cultivada e desimportante (segundo parecia). Seu primeiro trabalho foi uma dissertação para aquela Faculdade: Idéias Políticas e Sociais de Alexandre Herculano (1949), no mesmo ano em que veio à estampa outro grande trabalho de outro notável português de sua geração, Antônio José Saraiva, sobre o mesmo Herculano.
Seus estudos e pesquisas prosseguem depois em Paris, onde se doutorou em Estudos Ibéricos pela Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade de Paris, Sorbonne, em 1961. Tema de sua tese: Esmeraldo de Situ Orbis, de Duarte Pacheco Pereira. Nesse período, convive intensamente com a escola historiográfica dos Annales, o principal grupo de Historiadores europeus capitaneados por Lucien Febvre, Marc Bloch (morto na guerra pelos nazistas) e por Fernand Braudel, sucessor de Febvre e Bloch. Braudel dedicou a Barradas grande estima e a Portugal grande atenção por causa de Magalhães Godinho, Frederic Mauro e Barradas. Joaquim Barradas foi um discípulo de Braudel (e de Febvre, fundador da História das Mentalidades na França, em memória de quem dedicou seu último livro) e soube combinar o que de melhor havia naquela escola de pensamento com o que de melhor se fazia em termos de pensamento marxista. Excelente mistura, que bateu em cheio na Universidade de São Paulo nos meados dos anos 60, quando intelectuais como Florestan Fernandes, Antônio Cândido, Fernando Henrique Cardoso, Otávio Ianni e inúmeros mais — não nos esqueçamos de Sérgio Buarque, Caio Prado Júnior, Cruz Costa e Fernando de Azevedo, da geração antecedente — marcavam o horizonte intelectual e político, desenhando um outro Brasil.
Espírito anti-acadêmico, anti-ortodoxo, filho de família tradicional alentejana, descendente do Conde das Galvêas e de Camões, Barradas soube cultivar como ninguém a crítica, temperada sempre pela amizade e empenhada cordialidade, que estendia até mesmo a eventuais oponenetes políticos. Só uma coisa o aborrecia efetivamente: o reacionarismo de alguns de seus compatriotas, cujo comportamento retrógrado empurrou Portugal para o atraso e a melancolia. Daí ter encontrado na vida agitada de São Paulo um clima intelectual e político em que pôde desenvolver suas potencialidades. Tornou-se um paulistano da melhor qualidade: pensava mesmo que se um dia se articulasse um Bloco Luso-Afro-Brasileiro, a capital deveria ser São Paulo... Após a Revolução dos Cravos, o Jornal do Brasil dedicou dois ou três editoriais à utopia barradeana.
[...]Joaquim formou-se em História e Filosofia em 1946 pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, já revelando a vocação para o campo no qual desenvolveria seus trabalhos: a História das Idéias e, mais precisamente, a História das Mentalidades — que era então uma disciplina menor da História, pouco cultivada e desimportante (segundo parecia). Seu primeiro trabalho foi uma dissertação para aquela Faculdade: Idéias Políticas e Sociais de Alexandre Herculano (1949), no mesmo ano em que veio à estampa outro grande trabalho de outro notável português de sua geração, Antônio José Saraiva, sobre o mesmo Herculano.
Seus estudos e pesquisas prosseguem depois em Paris, onde se doutorou em Estudos Ibéricos pela Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade de Paris, Sorbonne, em 1961. Tema de sua tese: Esmeraldo de Situ Orbis, de Duarte Pacheco Pereira. Nesse período, convive intensamente com a escola historiográfica dos Annales, o principal grupo de Historiadores europeus capitaneados por Lucien Febvre, Marc Bloch (morto na guerra pelos nazistas) e por Fernand Braudel, sucessor de Febvre e Bloch. Braudel dedicou a Barradas grande estima e a Portugal grande atenção por causa de Magalhães Godinho, Frederic Mauro e Barradas. Joaquim Barradas foi um discípulo de Braudel (e de Febvre, fundador da História das Mentalidades na França, em memória de quem dedicou seu último livro) e soube combinar o que de melhor havia naquela escola de pensamento com o que de melhor se fazia em termos de pensamento marxista. Excelente mistura, que bateu em cheio na Universidade de São Paulo nos meados dos anos 60, quando intelectuais como Florestan Fernandes, Antônio Cândido, Fernando Henrique Cardoso, Otávio Ianni e inúmeros mais — não nos esqueçamos de Sérgio Buarque, Caio Prado Júnior, Cruz Costa e Fernando de Azevedo, da geração antecedente — marcavam o horizonte intelectual e político, desenhando um outro Brasil.
[...] Barradas de Carvalho retornou a Paris em 1970, apresentando à Escola de Altos Estudos da Universidade de Paris o ensaio La traduction espagnole du Situ Orbis, de Pomponius Mela par Maître Jean F aras et les notes marginales de Duarte Pacheco Pereira. Em 1975, recebeu a mention très honorable e les félicitations du jury com sua tese de Estado, a mais importante da carreira universitária, recebida com grande impacto, dada sua erudição e importância. Seu título (um dos mais longos da bibliografia mundial...): A la recherche de Ia spécificité de la Renaissance portu-gaise - L ´Esmeraldo de Situ Orbis, de Duarte Pacheco Pereira, et la literature portugaise de voyage à l 'époque des grandes découvertes. Contribution à l ´étude des origines de la pensée moderne. Foi muito bem recebida por uma comissão de alto nível, presidida pelo Historiador Pierre Chaunu que aliás, fez o emocionado e agudo prefácio, com Fernand Braudel — Chaunu registra no prefácio da publicação dessa obra jamais ter ocorrido, em sua longa experiência com teses, uma sessão tão emocionante no tradicional Anfiteatro Liard, na Praça da Sorbonne. Sua edição, em dois volumes, pelo escritório de Paris da Fundação Calouste Gulbenkian, foi providenciada pelos vigilantes Historiadores, escritores e amigos Joel Serrão e José Blanco.
Nota: Carlos Guilherme Mota é Historiador, professor de História Contemporânea da USP, diretor-fundador do Instituto de Estudos Avançados da USP, criador da Cátedra Jaime Cortesão no mesmo Instituto e autor de vários livros, entre os quais Atitudes de Inovação no Brasil (1789-1801), Nordeste 1817 e Ideologia da Cultura Brasileira.
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