segunda-feira, 18 de agosto de 2008

A Aldeia da Ponte e a mudança. 1






















Conheci a Aldeia da Ponte em 1977 e 1978; estive lá cerca de quinze dias de cada vez.
A Aldeia da Ponte fica no concelho do Sabugal, na chamada Terra Fria (das Beiras), perto da fronteira de Vilar Formoso. Pertence às terras de Riba Côa, que ainda fizeram parte do antigo reino de Leão e que, por escambo com Ayamonte, Aroche, Aracena etc. passaram para Portugal tal como Campo Maior, Olivença e outras com o Tratado de Alcanises, em 1297. Fica na raia, a escassos quilómetros de Espanha, uma fronteira geograficamente aberta ; as invasões castelhanas e francesas passaram por aqui ou por Elvas, tal como o contrabando multissecular. A região está exposta aos ventos frios da Meseta. No Inverno é frequente a neve, por vezes em Agosto há geadas. As terras eram de centeio e batata, o gado ovino e vacum, sobretudo, pastava nos lameiros e noutras terras. Não há quase plantas características do clima mediterrâneo, as árvores de fruto são sobretudo a macieira e congéneres, as oliveiras laranjeiras e mesmo os eucaliptos são raros ou inexistentes.
A Aldeia da Ponte fica numa antiga estrada romana que daqui seguiria para Albergaria (um nome relacionado com a passagem, em Espanha), existindo ainda uma ponte romana que deu nome à aldeia).
As casas eram de pedra, por baixo ficavam a adega e a loja, onde ficava o gado que também aquecia a casa. Subia-se uma escada de pedra para o primeiro andar em que ficava a habitação. No vão das escadas era frequente haver galinhas. Assim as conheci, na segunda metade dos anos 70. O gado regressava ao entardecer e, nas ruas ainda sem calçada, as vacas deixavam bostas que se cobriam com caruma de pinheiro, estrume que se ia curtindo e aproveitando para as terras de cultura. As moscas abundavam também. O burro era um dos principais meios de transporte, a par dos tractores que todos iam comprando.
As alterações já eram demasiado evidentes. Nos anos sessenta mais de metade da população emigrou, muitos a salto, e sobretudo para França. É impressionante como camponeses, muitos deles analfabetos, saíram daqui clandestinos e começaram a viver num país estrangeiro, sem conhecer a língua, os costumes e sobretudo a vida urbana, com o metro, as avenidas, o trânsito e … os “bidonvilles”.
Nos anos setenta, a paisagem mudara. Onde antes havia campos de centeio havia giestas altíssimas; onde antes havia carvalhos e castanheiros, agora eram pinheiros.
Mesmo assim fiquei impressionado com a solidariedade entre as famílias. O trabalho era frequentemente colectivo. Quando se tratava de ceifar uma seara, ia a família e os amigos, se se tratava de arranjar uma casa, passava-se o mesmo. No dia seguinte trabalhava-se na propriedade de uma família vizinha. Raramente se pagavam salários; o trabalho era compensado com outro trabalho, amanhã ou noutro dia.
Eu vinha do Alentejo e logo vi que não deveria falar em política. Eram muito conservadores, extremamente agarrados às propriedades que tinham herdado e tinham medo que os “comunistas” lhes tirassem as terras e a religião. Mas quem entrasse através de uma família local tinha as casas abertas e teria que provar o vinho (ácido) de cada um, o presunto e a aguardente, sob pena de não apreciar a hospitalidade, uma questão de honra.
Não havia cafés, como no Sul do país. O convívio fazia-se no trabalho ou nas casas de cada família ou aos domingos com a missa e, sobretudo, nas festas.
Anos depois passei por lá e vi que muitas das casas de pedra tinham sido alteradas e adquiriam formas diversas, com novos materiais, azulejos, tijolos de cimento, cozinhas modernas que ninguém usava, um novo-riquismo compreensível para quem herdou tanta pobreza. Os filhos já falavam francês e notava-se já o arrependimento do regresso.
Hoje a aldeia está novamente mudada. As casas vão sendo recuperadas. As ruas estão calcetadas. Já quase não há gado a circular. Há obras, como o lar para a terceira idade ou a praça de touros, que foram efectuadas com esforço colectivo, sem necessidade de recorrerem sequer à “senhora Câmara”. As novas gerações regressam em Agosto.

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