Continuo a dizer que o mal de alguns comentaristas
profissionais é não se informarem. No mundo atual não dá para dar opiniões
sobre tudo, como se fossem verdades indiscutíveis. Nunca deu! Percebo que se
ganhe com isso, quando se tem fama. Mas fica mal, para já não falar de alguma
desonestidade intelectual.
Sousa Tavares fala de uma escola primária numa aldeia
perdida no Norte, onde terá andado. Havia frio, uma professora esmerada etc.
Lembra-se de coisas de há décadas. Sabemos que a memória nos
trai. Lembramo-nos de coisas que nos emocionaram, de outras não. Felizmente não
chega a fazer a apologia do Portugal dos pequeninos, dos que diziam, repetindo
Salazar, que “a minha política é o trabalho” (o que significava não participar naquele terrível mundo urbano, cosmopolita, mas defender, mesmo contra os vizinhos, aquela sociedade autoritária, camponesa e patriarcal reinventada), mas … quase.
Também eu andei em escolas primárias com condições ínfimas,
com o frio do Alentejo que não é menor que o do Litoral Norte. Também tive
colegas, em Alter do Chão, que andavam descalços. Também eu tive colegas que
todos os dias apanhavam reguadas e que nem se atreviam a dizer em casa, porque
apanhavam mais. Também tive professores interessados nos seus alunos. Parece-me e tenho a certeza que ainda há muitos, muitos anónimos.
Mudei de escola primária para Sousel, também no Alentejo.
Dos meus colegas da 4ª classe, que eu saiba apenas uns dois, talvez mais um,
onde me incluo, tiraram um curso superior (ou o que o era na época), na idade “normal”.
Outros ficaram pelo caminho e, não fosse haver um colégio, que nem todos podiam
pagar, com condições hoje inacreditáveis, talvez outros não tivessem feito o
ensino secundário ou parte.
Esquece-se, ao falar dessa escola, do ambiente que tinha em
casa. Esquece-se dos livros que tinha, de uma mãe escritora e um pai jornalista
e dos círculos de amigos da família. Também eu tive alguma “sorte” nesse
aspeto. Mas a maioria não tinha.
Parte da sua experiência particular. Quase como se fosse
possível voltar atrás. É, infelizmente o mesmo vício de raciocínio de Nuno
Crato, quando pensa que é possível voltar ao paradigma dos antigos liceus, dos
alunos que vivem só para exames, para entrar na universidade.
Parte do princípio que antes, “nesses tempos fundadores”, os
professores não faltavam e hoje faltam. Dados não lhe interessam, mas sim afirmações,
baseadas na sua opinião, no seu senso comum, sem que se dê ao trabalho de ir ao
terreno, ver o que é uma escola e informar-se que é o dever de um jornalista. É
o mesmo pensamento reacionário de tantos que, partindo dos seus preconceitos,
decretam a verdade. Infelizmente há muitos por aí. Arrogantemente pensam e
proclamam, inculcam, repetem até à exaustão, do alto das páginas dos jornais,
numa comunicação unilateral, gostam de ofender, como se isso fosse coragem,
satisfazem-se como Narciso a apreciar a sua própria imagem nas águas, mas … “o
mundo pula e avança”. E o mundo de hoje, já tem muito mais gente com instrução
e que sabe pensar, sem precisar das ideias feitas e das verdades
inquestionáveis, “ex-cathedra”.
Junto esta imagem de um livro com muitos depoimentos, onde também contei a minha memória das escolas em que andei.