sexta-feira, 25 de março de 2011

De John Milton ....à avaliação de professores.

Escreve Milton em 1644
E como poderá um homem ter autoridade para ensinar, o que é vital para o ensino, como poderá ser um mestre no seu próprio livro, como lhe cumpre ser - ou então mais valia estar calado - se tudo o que ensina, tudo o que transmite, está sujeito à tutela e correcção do seu venerando censor, que pode apagar e alterar tudo quanto não esteja em plena conformidade com esse espírito tacanho a que chama o seu juízo? Quando a verdade é que qualquer leitor perspicaz, assim que põe os olhos numa destas autorizações pedantes, só tem vontade de arre­messar o livro a não sei quantos metros de dis­tância, acompanhado de uma exclamação como esta: "Detesto mestres que não passam de dis­cípulos, não suporto um professor que me aparece sancionado pelo punho de um fiscal. Não sei nada do censor, o que sei é que este livro tem a sua mão, marca da sua arrogância. Mas quem responde pelo seu discernimento?" "O Estado, senhor", retorque o livreiro, mas a réplica não se faz esperar: "O Estado será o meu governante, mas não o meu crítico; pode errar na escolha de um censor, com a mesma facilidade com que este se pode enganar em relação a um autor."
Milton, J. (2010). Aeropagítica. Lisboa: Público.

Isto faz-me lembrar uma coisas que se passam por aí com a avaliação dos professores e relembrar ainda alguma legislação  em vigar, mas com tendência a ser lida por alto ou até esquecida:

Artigo 2º da Lei de Bases do Sistema Educativo:
3 – No acesso à educação e na sua prática é garantido a todos os portugueses o respeito pelo princípio da liberdade de aprender e de ensinar, com tolerância para com as escolhas possíveis, tendo em conta, designadamente, os seguintes princípios:
a) O Estado não pode atribuir-se o direito de programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas;
 Artigo 5.º, alínea c), do Estatuto da Carreira Docente:
c) O direito à autonomia técnica e científica e à liberdade de escolha dos métodos de ensino, das tecnologias e técnicas de educação e dos tipos de meios auxiliares de ensino mais adequados, no respeito pelo currículo nacional, pelos programas e pelas orientações programáticas curriculares ou pedagógicas em vigor;
Art. 13º, nº 3 do Decreto Regulamentar nº 2/2010 de 23 de Junho
o relator deve pertencer ao mesmo grupo de recrutamento do avaliado e ter posicionamento na carreira e grau académicos iguais ou superiores a este ...

quarta-feira, 23 de março de 2011

A "vitimação"

Passos Coelho (porque é que será que alguns têm que ser sempre chamados por dois apelidos?) falou na “vitimação” de Sócrates. Sabemos que ele demorou muitos anos a tirar um curso, que era o quase eterno dirigente da JSD, até sobrevirem algumas rugas, que não fez mais nada além de estar na JSD e no PPD, ou à conta disso, mas ao menos poderia falar melhor, tanto mais que ele, como Paulo Portas, já se apresentaram com um cenário de quem já está no poder. Também Sócrates passou a vida no partido. Em ambos faltam outras experiências de vida que não demonstrem que só passaram a vida no poder e à procura de poder. Em ambos perpassa a falta de autenticidade, em ambos transparecem os truques publicitários, em ambos a falta de convicções que mostrem que têm ideias e finalidades, para além do tempo breve de ganhar eleições e manterem-se no poder.
Nestes últimos anos temos tido primeiros-ministros com poucas convicções e sentido de res publica. Durão Barroso, assim que lhe acenaram com um cargo em Bruxelas, abandonou o país. Seguiu-se o histriónico Santana Lopes que, apesar da muita paciência de Jorge Sampaio perante tanto desvario e incompetência, teve que ser posto na rua. Também outro fruto das eternas juventudes partidárias. E esse foi o último governo do PSD.
Exemplos do PSD? Se a memória me não falha, um dos primeiros-ministros que mais tempo esteve no governo foi Cavaco Silva. Hoje fala em contenção nas despesas, no regresso à terra e moralização nos cargos, mas durante o seu mandato negociou-se o fim da protecção à agricultura,  a entrega do espaço marítimo, distribuíram-se subsídios sem critério, com um aumento exponencial de jipes e Ferraris, encontraram-se inúmeros cargos para os que colaram cartazes, os chamados “boys”. Cresceu o estado, que agora querem diminuir, privatizou-se tudo o que o estado tinha de lucrativo. Manuela Ferreira Leite, que agora avisa, foi ministra das Finanças.
O PS seguiu caminhos semelhantes, pouco se distinguindo estes dois partidos e o seu anexo (CDS). Alguns que ainda criticavam foram sendo sucessivamente postos na prateleira e esquecidos nas candidaturas às eleições seguintes, ficando mais o vazio dos comprometidos com os cargos do que os que falavam livremente.
PSD (também não percebo porque insistem na sigla social-democrata) é uma alternativa? A quê? Não têm sido eles que têm sustentado este governo sem maioria? Não foram eles que apoiaram as medidas do PS no governo, fechando escolas e centros de saúde, acabando com o abono de família, aumentando o IRS e o IVA, os descontos para a segurança social, reduzindo os salários dos funcionários públicos …?
 Agora querem apresentar-se como alternativa? Depois de tanto sustento ao governo, o que é que propõem agora? Nada ouvi ainda.

E o CDS que em tantos governos tem participado, que tantos fretes tem feito a estes governos, quer também apresentar-se impoluto, como um submarino que agora vem ao de cima?

E esta União Europeia que tanto nos “ajuda”? O BCE empresta a 1% de taxa de juro aos bancos, que por sua vez exigem ao Estado português juros de 7%, o que torna ainda mais insustentável a dívida portuguesa. Chamam ajuda a esta forma de lucrarem cada vez mais, à custa das transferências dde capitais da Grécia, de Portugal, da Espanha …
Se houvesse ainda alguma moral nesta política internacional a senhora Merkel e todos estes neoliberais, deveriam, pelo menos lembrar-se que o que a Alemanha destruiu na segunda guerra mundial não foi ressarcido. Dirão que isso é passado, mas as empresas alemãs, herdaram e herdaram-se do que foi feito nesse tempo (a Krupp, a Volkswagen …). Como qualquer dia dirão também que é passado, todos os subsídios e sacrifícios que toda a União Europeia fez em prol da reunificação alemã, que todos pagámos, mesmo os desprezados PIGS (com essas designações se mostram certos sentimentos "europeus").
Agora exigem-nos baixa de salários, aumento de impostos, menos segurança social, menos direito à Saúde, menos … e … mais juros, como “ajuda”.
Mas não havia por aí uns projectos de uma Europa social, solidária etc., etc? É que há uma grande diferença entre receber subsídios e pagar juros especulativos. Nem a sede do capitalismo internacional (se existe assim), os EUA, fazem isso com os respectivos estados com problemas, mesmo não sendo mansos ou caritativos, coisa que também não queremos para cá. 

Ou isso da "Europa connosco"só serviu quando era para conquistar mercados, angariar consumidores e … financiar a reunificação alemã e a expansão dos seus mercados para Leste também, reconstituindo impérios económicos, onde os políticos falharam por resistência dos povos, engordar os bancos e outros, que tão poucos impostos pagam, sobretudo quando transferem os lucros para a  "neutral" Confederação Helvética, Bahamas, outros paraísos fiscais ingleses ou sem pátria nenhuma?

John Milton e a liberdade de imprensa

 Por vezes vale a pena ler os clássicos.
Escreve Milton e proclama este discurso em 1644 contra a censura que  o parlamento inglês tinha aprovado:

Pois a verdade é que os livros não são coisas absolutamente mortas, encerrando em si uma vida em potência que os torna tão activos quanto o espírito que os pro­duziu. Mais ainda, os livros conservam, como num frasco, o mais puro extracto e eficácia do intelecto vivo que os gerou. Sei que estão tão vivos e tão vigorosamente produtivos como os dentes daquele dragão da fábula e que, disse­minados aqui e ali, podem fazer surgir homens armados. Mas isto significa também que, se não se usar de cautela, matar um bom livro é quase o mesmo que matar uma pessoa. Quem mata um homem mata uma criatura racional feita à imagem de Deus; mas quem destrói um bom livro mata a própria razão, mata a imagem de Deus, como se esta estivesse nos olhos. Muitos homens são um peso para este mundo; um bom livro, porém, é a seiva preciosa de um espírito superior, embalsamado e deliberadamente pre­servado para uma existência que ultrapassa a vida. É verdade que nenhuma época pode devol­ver uma vida, o que nem sempre representará grande perda; e as revoluções do tempo não reparam muitas vezes a perda de uma verdade rejeitada, por falta da qual nações inteiras sofrem as piores consequências.
Deveríamos ter, por conseguinte, cuidado com a perseguição que movemos contra as obras vivas de homens públicos, com o modo como desperdiçamos essa experiência humana de vida preservada e armazenada nos livros, pois bem vemos que se pode cometer assim uma espécie de assassínio, por vezes um martírio, e, se o alargarmos a todas as obras impressas, um autêntico massacre - em que a execução não termina na chacina de uma vida elementar, mas atinge aquela quintessência etérea que é o sopro da própria razão, destruindo não apenas uma vida, mas uma imortalidade.
Milton, J. (2010). Aeropagítica. Lisboa: Público.
 
Nota: Quanto tempo se perdeu em Portugal com a Inquisição ...PIDE e outras maquinações. Ao contrário, estes foram vencendo também pela inteligência.

domingo, 20 de março de 2011

A Líbia. E depois?

Será que depois da Líbia vão bombardear os que não respeitam as resoluções da ONU? Por exemplo, aquele país que continua a construir colonatos nas zonas ocupadas e que de vez em quando bombardeia as populações, para lá do muro que construiu?

O despertar da Primavera

terça-feira, 15 de março de 2011

Geração … a definir, como outras, mas diferente.

   O título é só por necessidade de haver um. Nem geração rasca, nem à rasca. Todas as gerações tiveram os seus problemas. Mas não vale a pena comparações, sobretudo quando se pretende valorizar uma em detrimento de outra, numa sociedade onde as diferenças sociais ainda são desmesuradas. Há muitas gerações, e os que vivem agora, não são só do “meu tempo” mas também deste momento.

   Estas manifestações surpreenderam muitos, sobretudo alguns arrogantes opinadores pouco dados aos estudos sérios. A diferença entre opinião pública e opinião publicada tem sido enorme e já há pouca paciência para ouvir os comentadores habituais, mesmo da imprensa dita séria. Num mundo globalizado, já parece mal tanto provincianismo numa sociedade me que muita gente já ultrapassou isso. Cosmopolitismo não é só viajar de avião, é também perceber que há outros mundos, por vezes mesmo em frente aos nossos olhos.

   A sociedade portuguesa mudou muito rapidamente. Muitos jovens de hoje estudam, felizmente muito mais que os pais e os avós. Poder-se-á falar da qualidade, mas também não me venham com a qualidade dos estudos antes do 25 de Abril, num país encerrado em fronteiras, quase sem investimento na educação, com uma censura permanente e corrupção, onde quem queria aprender outras coisas tinha que fugir. Por vezes confunde-se tudo com a média, mas o facto é que há áreas de excelência, a par de outras medianias.

   Hoje, além de haver muito, mas incomparavelmente, mais gente a estudar e investigar, é frequente ir-se para outros países, como antes alguns iam de Évora para Lisboa. As fronteiras esbatem-se perante este viajar físico mas também por recentes formas de comunicação, do telemóvel com SMS às redes sociais. Lembremo-nos que há uns anos o governo de Aznar em Espanha caiu, porque mentiu, e foi desmascarado na rua, por gente que comunicou rapidamente através dos telemóveis. Hoje, se no Egipto, na Tunísia, as redes sociais funcionaram, mais fácil seria aqui, onde mais gente tem acesso. Isso aconteceu e formaram-se das maiores manifestações em simultâneo desde o 25 de Abril, em Lisboa, no Porto … até em Barcelona …

   Há problemas sociais que estão a rebentar, e novas formas de manifestação, de discussão, tomada de consciência que as instituições já não controlam. Um dos primeiros sinais, em Portugal, foram as manifestações de professores que ultrapassaram todas as expectativas do governo, sindicatos e partidos políticos.

   Surpreendentes têm sido estas manifestações, sobretudo as deste fim-de-semana, pela quantidade de pessoas e pela aparente falta de organização. Noutros países, com muito menos pessoas teria havido tumultos e confrontos. É impressionante como se conseguiu que duzentas mil pessoas na rua, só em Lisboa, na rua, tivessem conseguido fazer uma manifestação pacífica, com reivindicações variadas e com humor. Fez-me lembrar algumas manifestações a seguir ao 25 de Abril, quando quase todos procuravam escutar-se e não havia obediência a palavras de ordem nem a direcções partidárias. Interessante também, que muitas das músicas e frases ditas e cantadas retomavam temas da altura.
As manifestações, a tomada de consciência, vão ter necessariamente consequências e estão a pôr em causa as instituições do poder, os partidos do sistema vinculados à ideologia totalitária, unidimensional da economia (única?) e das finanças (que mandam mais ainda), baptizadas com o nome de mercado, como se o mercado fosse só isso. Falemos sobretudo do PS, PSD e CDS que quase não se distinguem. Mas mesmo outros têm que reflectir sobre tudo isto e saber porque estão a envelhecer. Tal como os sindicatos, onde muitos já não se revêem. Mas o discurso de “depois de nós, o caos”, também não serve. Não estamos perante multidões à espera de um salvador, mas de gente farta de ser explorada que sabe fazer muito mais do que não lhes pedem.

   Não seria a altura de começar a rever também o sistema eleitoral e o funcionamento do Estado? Tanto se lutou para termos mais gente instruída, um pressuposto da democracia e da República e agora que temos tantos vamos desperdiçar os ideais, os sonhos, as utopias de tantas gerações, de outras, da minha, de todos os que aqui vivem?